31 de maio de 2011
Nova seção deste blog, o Na Lata vai trazer, mensalmente, uma entrevista ou um texto interessante – sempre inéditos – que abordem o universo das boas idéias, das melhores práticas e das pequenas e grandes soluções para as questões atuais que envolvem a relação da sociedade com o meio ambiente. Repensar, junto com vocês, será sempre a nossa proposta.
Segue abaixo a nossa primeira entrevista.
Sônia Dias com catadores do Lixão de Hulene, em Maputo, Moçambique. (Abril, 2011) |
Uma das primeiras sociólogas no Brasil a abordar, ainda na década de 1980, a questão do lixo a partir de uma dimensão social, Sônia Maria Dias participou ativamente das primeiras experiências de coletas de lixo em favelas de Belo Horizonte. No PRODECOM, participou de um programa pioneiro no qual buscaram viabilizar uma tecnologia específica de coleta para a realidade das favelas; e, em Ibirité(MG), integrou a equipe de pesquisa do CETEC (Centro Tecnológico de Minas Gerais) sobre limpeza urbana. Foi ali, em 1986, que pela primeira vez ela teve contato com a figura do “catador de lixo”. A “paixão pelo lixo” transformou a sua trajetória pessoal e profissional. Hoje, cidadã do mundo, Sonia Dias se define como: lixóloga, permanentemente engajada na causa mundial dos catadores de lixo.
Atualmente, Sônia Dias integra, como especialista em redes de catadores, a WIEGO. Rede mundial, criada em 1997, cuja secretaria está sediada na Universidade de Harvard(EUA), a WIEGO atua em mais de 100 países e participa ativamente de um movimento global que apóia os trabalhadores pobres, especialmente as mulheres, na economia informal.
Vamos agora saber um pouco mais sobre o trabalho e sobre o que pensa Sônia Maria Dias a respeito do lixo como uma questão ambiental e social, grave e urgente, a ser debatida e enfrentada em todo o mundo.
O que significa ser uma lixóloga?
Sônia Dias: no meu caso, é ser uma profissional que pesquisa e trabalha com a questão do lixo em todas as suas dimensões, com uma perspectiva social de inclusão e desenvolvimento. Como integrante da WIEGO, sou especialista na questão dos catadores de lixo, que integram um dos principais grupos que recebem da nossa rede atenção e apoio (pesquisas, estudos estatísticos, subsídios técnicos e financeiros) para viabilizar a sua sobrevivência com dignidade e com o devido reconhecimento da sociedade.
O que o lixo representa hoje para o planeta?
Sônia Dias: as questões ambientais estão interrelacionadas e o lixo é, hoje, um dos grandes dilemas da humanidade. A humanidade tem uma relação ambígua com o lixo e a sujeira. Palavras como sujeira, restos, resíduos estão ligadas diretamente ao lixo e têm, do ponto de vista social e cultural, uma conotação ligada ao que é feio, inferior, ao que não vale nada, ao que pode e deve ser descartado. Invariavelmente, como na Índia (que tem uma sociedade separada por castas), a questão do lixo está também diretamente ligada às diferentes condições sociais e, em todo mundo, ligada ao ambiente da pobreza. O lixo faz parte do nosso cotidiano e a forma de lidar com ele faz parte também da nossa cultura. Ao mesmo tempo em que causa repulsa e distanciamento, o lixo que produzimos diariamente exige um destino e uma solução. Não basta colocar o lixo na lixeira. Antes disso, é preciso conhecer o que, a partir daí, acontece com ele e, consequentemente, pensar no que pode e deve ser feito com o lixo produzido por nós.
Como, na sua visão, podemos lidar com a questão do lixo no mundo atual?
Sônia Dias: essa é uma questão civilizatória. Requer consciência e atitude do mundo inteiro. Por exemplo: 500 bilhões de sacolas plásticas são descartadas, por ano, em todo o mundo. E é importante dizer que, desse número, 100 bilhões vêm somente dos EUA. Acontece que 70% da poluição marinha é formada por plástico. Existem correntes marinhas que levam esse plástico para os pontos mais remotos do planeta e espalham todo esse plástico que, a cada ano, se multiplica. Bem, não podemos nos esquecer de que somos um só planeta e tudo está interligado. Temos a dimensão ambiental (o grande volume de lixo produzido) e a dimensão humana. Estudos apontam que uma grande parcela da população mundial (1a 2%) sobrevive justamente a partir do lixo (nos lixões, na coleta seletiva, etc.), em condições sub-humanas. E, nesse ponto, Belo Horizonte está bem melhor do que muitos outros lugares que conheço: aqui não tem lixão e já estamos avançando na campanha contra o uso das sacolas plásticas.
Uma das formas de lidar com essa questão, considerando as duas dimensões é trabalhar efetivamente com o desenvolvimento e o aprimoramento das formas de descarte – repensar e diminuir a produção de lixo, investir de fato na coleta seletiva e na reciclagem – e, do ponto de vista humano, cabe aos gestores públicos promover um esforço coletivo para buscar, junto com a sociedade, condições adequadas que estabeleçam uma relação mais humana e mais justa para a população que vive do lixo.
Quais são os atores e quais seriam as iniciativas necessárias para essa nova cultura do lixo?
Sônia Dias: Bem, vamos começar pelos cidadãos. Nós todos somos corresponsáveis pela adequada condução do lixo. É preciso, de fato, repensar, reduzir, reutilizar e reciclar o lixo que produzimos diariamente. O Brasil tem definida e aprovada, em 2010, uma Política Nacional de Resíduos Sólidos que usa justamente a expressão “gestão compartilhada dos resíduos”. Ou seja, é um problema a ser enfrentado e solucionado por todos os cidadãos. Ao poder público, cabe, então, implementar campanhas, programas eficazes de coletas seletivas, oferecendo opções razoáveis nesse processo, e, principalmente, investir de forma massiva em educação ambiental. Na coleta seletiva, por exemplo, um grande passo seria incluir, de fato, a participação do catador como agente ambiental fundamental para a efetivação desse processo.
Quanto à indústria, já passou da hora das pequenas e grandes indústrias promoverem e praticarem, pra valer, a responsabilidade social e ambiental. No caso da indústria de reciclagem, é necessário rever e promover a distribuição justa de renda para todos os agentes envolvidos. O atual quadro é desigual e evidentemente injusto.
E quero citar um bom exemplo: a Cataunidos – que é uma rede regional de cooperativas que reúne a ASMARE, de Belo Horizonte(MG), e outras cooperativas de 22 municípios mineiros. Eles fazem a comercialização conjunta do material coletado e possuem uma usina de reciclagem de plástico que produz pellets (grãos ou bolinhas de plástico que são reciclados e vendidos para fábricas de artefatos plásticos).
Sônia Maria Dias é mineira, de Belo Horizonte(MG). Doutora em Ciência Política, Mestre em Geografia e graduada em Ciências Sociais, possui especialização em Resíduos Sólidos pela Kitakyushu International Techno-Cooperative Association (Japão) e em Gestão Ambiental, pelo Instituto de Educação Continuada da PUC-MG. É pesquisadora da rede Women in Informal Employment Globalizing and Organizing (WIEGO), e representante latinoamericana do Collaborative Working Group on Solid Waste Management (CWG). Atualmente está envolvida no Projeto Global Cidades Inclusivas, coordenado pela WIEGO e com financiamento da Fundação Bill & Melinda Gates.
Entrevista realizada em 17.5.2011 por Elida Murta.
Não deixe de conferir no INdica as boas dicas de Sônia Dias e outras informações sobre as boas práticas e importantes iniciativas relacionadas ao lixo.
E para saber mais sobre a situação dos catadores de material reciclável, leia aqui o nosso post feito em homenagem a eles, no Dia Mundial do Trabalho.