Da Invisibilidade à Cidadania

8 de setembro de 2011

 

Jardim Gramacho (RJ). Foto: Marcos Prado

Por Sônia Dias

WIEGO

No livro As Cidades Invisíveis, o escritor italiano Ítalo Calvino brilhantemente nos descreve a cidade de Leônia, onde a opulência é medida pelas coisas “…que todos os dias são jogadas fora para dar lugar às novas”. Noutro registro no âmbito da arte, o filme Estamira nos apresenta esta catadora visionária, a Estamira, que de sua mirada do lixão de Gramacho também nos convoca a repensar nossos conceitos, estereótipos e práticas e nos incita a rever nossos paradigmas perdulários e de descaso com o homem e o meio ambiente.

As indagações que os dois registros acima citados nos colocam são: quais são as possibilidades existentes de transformação do lixo? Quais as respostas que a cidade pode dar aos sonhos de conquista da cidadania plena daqueles que vivem dos resquícios, das sobras do nosso consumismo voraz? Essas são questões que nos últimos anos vêm ocupando o centro dos debates em torno do tema lixo e cidadania.

É nesse contexto que o lixo vem sendo atualmente associado à cidadania, trazendo à cena pública o significado contemporâneo do conceito de reciclagem, enquanto mais do que uma ação transformadora de um objeto usado em algo novo mas, fundamentalmente, enquanto expressão da consciência socioambiental, que possibilita geração de trabalho e renda e o exercício da cidadania de setores em vulnerabilidade social, tais como os catadores de recicláveis e os carroceiros do entulho.

Estimativas do Banco Mundial apontam que cerca de 2% da população das cidades da Ásia e da América Latina sobrevivem da catação. Trabalhando nas ruas coletando recicláveis ou em situações dramáticas de abandono como os lixões a céu aberto, submetidos a altos riscos e via de regra com rendimentos baixos, estes trabalhadores informais do lixo têm clamado por justiça social em várias partes do mundo. São Estamiras, Josés, Marias, Geraldas do Brasil afora que se juntam a tantos outros heróis de outros países na América Latina, Ásia e África. Personagens que experimentam a mais dura exclusão no seu cotidiano mas, que ao mesmo tempo, cada vez mais protagonizam histórias de resistência.

O mesmo Ítalo Calvino nos dá pistas de utopias possíveis ao nos falar da cidade imaginária de Ândria, onde duas virtudes do caráter de seus habitantes merecem ser recordadas: “… a confiança em si mesmos e a prudência. Convictos de que cada inovação na cidade influi no desenho do céu, antes de qualquer decisão calculam os riscos e as vantagens para eles e para o resto da cidade e dos mundos”.

Para que passemos da opulência de Leônia para a prudência ecológica de Ândria, precisamos incorporar os múltiplos olhares e as múltiplas falas dos atores da sociedade civil, do setor público e do setor privado num esforço conjugado de reflexão e ação para a concretização de novos mundos possíveis. Um mundo que torne visíveis outros tipos de cidades. Cidades, onde os princípios da solidariedade e da prudência socioambiental sejam o dínamo re-alimentador do movimento da vida. Um grupo de organizações de base e de ONGs e redes internacionais vem trabalhando num projeto global em torno do conceito de cidades inclusivas convocando a sociedade a trabalhar na concretização de um modo Leônia de viver as cidades. Projetos e ações globais do Projeto Cidades Inclusivas e histórias de resistência de cooperativas e sindicatos de catadores e catadoras no mundo, bem como de outros grupos informais podem ser encontradas no site Cidades Inclusivas.

Faça sua parte revendo seus conceitos, repensando suas ações, contribuindo com a coleta seletiva solidária. A virada coletiva é feita da ação de cada um e de todo.
“O universo é o eco de nossas ações e nossos pensamentos” 
– Pense nisto, VIVA isto!

Estamira.