27 de outubro de 2011
O Na Lata publica, mensalmente, neste blog, uma entrevista ou um texto interessante – sempre inéditos – que aborda o universo das boas ideias, das melhores práticas e das pequenas e grandes soluções para as questões atuais que envolvem a relação da sociedade com o meio ambiente. Repensar e reinventar, junto com vocês, será sempre a nossa proposta.
Toda criança é uma esperança de renovação do futuro. Pensamos em nossos filhos e, diante da forma como estamos tratando o planeta hoje, é inevitável que pensemos em como será o futuro que eles terão para, já adultos, oferecerem também aos seus filhos.
A degradação do planeta, visível e já sentida nas alterações climáticas e nos desastres naturais que estamos vivenciando, é conseqüência da ação destruidora do homem. Nossos avanços tecnológicos precisam, mais do que nunca, considerar as necessidades do equilíbrio ambiental e colaborar para encontrar soluções urgentes que promovam e garantam, daqui pra frente, a sustentabilidade do planeta e o bem estar geral.
Para Adelsin – educador, aprendiz de crianças, brincante, reciclador de brinquedos e de idéias em favor da criança e da natureza – “Esse quadro reflete a ruptura do ser humano com os movimentos da natureza. A consequência dessa atitude é o quadro preocupante da saúde planetária. O aquecimento global é o indicador mais claro e triste do “esfriamento humano”. Mas, para a nossa sorte, as crianças e algumas pessoas espalhadas pelos “grandes sertões” não perderam o seu movimento natural e nem a sua força criadora”.
Observador permanente, Adelsin tem no universo das crianças o seu foco principal de pesquisa e de atuação. Autor de várias publicações voltadas para o educador e o aluno – como a série “Cuidar bem”, desenvolvida para a Fundação Nestlé e posteriormente publicada pela Editora Peirópolis – ele se dedica, atualmente, a um projeto de educação ambiental voltado para as populações ribeirinhas de quatro localidades, situadas na região do Baixo Tocantins e na Ilha de Marajó, no estado do Pará.
Para encerrar o mês de outubro, em que este blog procurou homenagear as crianças e os professores, vamos conversar com o Adelsin e saber o que ele pensa, a partir da própria experiência, sobre a importante relação entre criança, meio ambiente e a nossa esperança por um futuro sempre melhor.
Adelsin |
As crianças são o nosso futuro e a nossa esperança. Quais são, pra você, as possibilidades de mudança no mundo atual?
Adelsin: Vivemos um momento delicado na história da humanidade. Hoje sabemos que se não forem revistas algumas práticas a nossa continuidade no planeta estará seriamente ameaçada. Por isso, nos mais diferentes lugares da terra, pessoas sensíveis à necessidade de buscar formas de uma convivência harmoniosa com a natureza têm inaugurado novas possibilidades que poderão nos ajudar a seguir adiante. Essas novas possibilidades apontam para práticas sustentáveis em áreas distintas como agricultura, arquitetura, saúde, energia e educação. Essas mudanças de atitude buscam um retorno a uma consciência de unidade planetária. Elas se inspiram em experiências ancestrais desenvolvidas durante milhares de anos de interação natural com o ambiente. Eu acredito que ainda está em tempo de construirmos uma sociedade sustentável, mas ela só acontecerá quando formos capazes de, ao mesmo tempo, respeitar os saberes positivos do passado e decifrar as mensagens do mundo novo reveladas pelas crianças.
Mas o desenvolvimento tecnológico não poderia também contribuir para criar novos comportamentos em favor do nosso meio ambiente?
Adelsin: Como parte do movimento universal, cada ser vivo tem uma natureza de movimentos que precisa ser cumprida para que o seu processo evolutivo tenha continuidade. O ser humano, ao contrário de outras espécies, desenvolveu mecanismos de sobrevivência e de progresso tecnológico tão surpreendentes que criou uma ilusão coletiva de evolução acelerada. Mas, no entanto, o avanço tecnológico não foi desenvolvido em sintonia com os movimentos naturais planetários e, tão pouco, com o devido respeito à mãe Terra. As consequências do desrespeito ao meio ambiente já começam a ser sentidas em todos os continentes através de alterações climáticas, contaminação do solo e das águas e, principalmente, pela desarmonia entre os seres humanos.
A nossa esperança é que a capacidade criadora do ser humano é surpreendente. Quando a ciência estiver realmente a serviço da vida certamente teremos a tecnologia adequada à evolução harmoniosa da humanidade.
Como você vê a infância no contexto atual das grandes cidades?
Adelsin: Eu fico muito preocupado com a imobilidade da infância urbana e os prejuízos que uma vida sem movimento e sem contato com a natureza pode trazer para o ser humano em crescimento. É muito difícil para uma criança desenvolver um sentimento de amor pelo meio ambiente quando o ambiente em que ele vive é árido e contido. É muito difícil vislumbrar um desenvolvimento saudável de relações sociais construídas somente em redes virtuais. É preocupante, também, a construção dos conceitos de respeito e de liberdade numa sociedade de consumo exacerbado, de desigualdades sociais, com grades, cercas elétricas, condomínios fechados e medo. A minha esperança está justamente no fato de que as crianças são surpreendentes e ainda florescem apesar das adversidades. As crianças urbanas brincam nas brechinhas que encontram nas escadas dos prédios, na saída das escolas, embaixo das mesas, nos parques e em alguns projetos socioambientais que se tornaram os novos quintais urbanos.
Qual a relação entre a infância e a formação de uma consciência de preservação ambiental?
Adelsin: Acredito que cada criança que nasce é um passo adiante na evolução da espécie humana. O ser humano criança traz em sua herança genética não somente as características físicas de seus ancestrais, mas toda a experiência acumulada em milhares de anos de convivência com a natureza. Essa experiência evolutiva é manifestada naturalmente nos movimentos da infância, nos brinquedos e brincadeiras que as crianças querem e precisam brincar. Por esse motivo, existe uma cultura universal das crianças com gestos que se repetem, desde o começo dos tempos, em qualquer local do planeta. Quando existe tempo, liberdade e ambiente propício, a cultura das crianças se enriquece e aponta para o futuro. A convivência com os ambientes naturais na infância será de grande importância para o reconhecimento e o desenvolvimento de uma relação íntima com a natureza. Na infância, a criança ainda não tem muito clara a dimensão do futuro, mas a convivência com a natureza irá favorecer o desenvolvimento de uma consciência natural de cuidado com o meio ambiente que a acompanhará nas etapas posteriores da vida. Cabe a nós, adultos, ajudá-las a desenvolver um sentimento de carinho com o ambiente e reaprender, com elas, o caminho da evolução.
Quais seriam as transformações necessárias para que as crianças pudessem ter respeitado o seu direito à infância na sociedade contemporânea?
Adelsin: É preciso primeiro que haja um reconhecimento amplo das necessidades da infância que vão muito além das já previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Para que essas mudanças acontecessem de fato seria preciso que houvesse transformações sensíveis na realidade social, política e cultural do País. Seria necessário um novo olhar para a arquitetura das escolas e das moradias. Não deveria ser mais aceitável imaginar casas sem quintal, escolas sem áreas verdes e espaço/tempo para a livre convivência das crianças e dos jovens. Seria necessária também uma atenção maior para com a programação das TVs e com a publicidade voltada para as crianças.
Enquanto isso não é realidade, cada pai ou mãe, ou tio ou avó, pode dar um presente inesquecível para as crianças de sua família. Um passeio no parque, na praça ou na roça; uma história fantástica, acontecida ou inventada; um brinquedo construído como no seu tempo de criança. Esse encontro entre gerações diferentes de meninos e meninas pode ser o início de uma grande transformação, que poderá curar o planeta e salvar a humanidade da extinção.
De onde vem a sua crença de que essa transformação é possível?
Adelsin: De anos de convivência com as crianças do Brasil e da observação das dimensões maiores dos movimentos da sua cultura própria. Um olhar atento para o imenso repertório dos brinquedos universais das crianças com suas variantes regionais revela sinais essenciais do que há de mais elevado na experiência humana individual e coletiva. Já fomos todos sabedores desses segredos, mas a nossa (de)formação social, escolar e cultural, acontecida dentro de uma sociedade monetária e competitiva nos fez esquecer de como é bom viver sem pressa e sem “ego-objetivos”. A sorte é que, a cada dia, nasce uma criança nova em alguma família que é brindada com a chance de começar outra vez. Ninguém fica indiferente e nem mesmo convencional diante de uma criança recém nascida. A criança pequena tem o poder de reinaugurar o novo em cada um que se aproxima do berço. E como ela ainda não fala a nossa língua, cada um de nós procura falar a língua universal do ser humano ainda novo e é aí que o novo pode se restabelecer no velho ser. Como já disse, eu acredito que a criança é o último passo da evolução humana e é ela quem pode nos levar adiante.
Ravi e Adelsin |
Como você tem desenvolvido o seu trabalho no sentido de contribuir para essa transformação?
Adelsin: Desde que conheci a pesquisadora e educadora Lydia Hortélio, nos anos 1980, me vi contagiado pela luta pelo direito das crianças à infância e à convivência com a natureza. Desde então, tenho aprendido e partilhado experiências vividas pelas crianças do Brasil em territórios de convivência em liberdade. Para difundir a imensa riqueza da cultura das crianças e desanuviar o olhar dos adultos, venho realizando encontros para brincar e conversar sobre a infância, nos mais diferentes lugares do País. Esses encontros têm formatos diferentes como: oficinas de brinquedos, cursos de “educação ambiental”, palestras, etc. Para realizar esses encontros, atuo como ‘agente infiltrado’ da infância dentro de ONGs, de secretarias do poder público e de institutos de empresas multinacionais. Tenho produzido, aos poucos, publicações com brinquedos do inesgotável repertório das crianças. Espero que, nos próximos anos, eu tenha mais tempo para me dedicar à produção de materiais que possam sensibilizar um número maior de pessoas e, assim, ajudar os meninos e as meninas do Brasil a viverem a sua infância como ela merece ser vivida. É a minha pequena contribuição para continuarmos no planeta.
Você poderia nos dar boas sugestões de livros, videos e sites sobre os temas da nossa entrevista?
Adelsin: O livro que conheço que trata da natureza do lugar e da natureza humana em integração e profundidade é o “Grande Sertão Veredas” de Guimarães Rosa. São necessárias algumas lidas para se enveredar naquele sertão. Um vídeo que acho muito especial e que mostra a criança e a natureza de forma sensível é o Capitão Menino, de Renata Meirelles e David Reeks. (projetobira@hotmail.com). Quanto aos sites, eu gosto de visitar os de tecnologia alternativa e de bioconstrução. Vale a pena conhecer os sítios dos Institutos de Permacultura e Ecovilas do Cerrado – IPEC e da Mata Atlântica – IPEMA. Mas bom mesmo é aproveitar que está chegando o tempo da jabuticaba e ir visitar o sítio do amigo, da tia ou do avô, junto com as crianças, no próximo final de semana.
Adelsin (Adelson Fernandes Murta Filho) é formado em Artes Plásticas pela UFMG e desenvolve pesquisas e oficinas voltadas para o universo da criança desde 1988. Sócio da Nhambu Ação Cultural, é consultor sobre cultura infantil e educação ambiental, e tem desenvolvido e realizado projetos para ONGs, instituições públicas e privadas nessas áreas, em todo o Brasil. Já publicou os livros Barangandão Arco-íris – 36 brinquedos inventados por meninos (Editora Peirópolis) e os livros Guisadinho, Cuidar bem das Águas, Cuidar bem do Ambiente e Cuidar bem das Crianças, desenvolvidos para a Fundação Nestlé Brasil.