Na Lata

25 de novembro de 2011

 

O Na Lata publica, mensalmente, neste blog, uma entrevista ou um texto interessante – sempre inéditos – que aborda o universo das boas ideias, das melhores práticas e das pequenas e grandes soluções para as questões atuais que envolvem a relação da sociedade com o meio ambiente. Repensar, reinventar e reaproveitar novas ideias e diferentes materiais será sempre a nossa proposta.

Nem lixo, nem sucata: todo material é matéria-prima para a arte.

O nosso mundo contemporâneo vive hoje uma realidade que, a cada minuto, nos pede soluções urgentes que, marcadas pela ética, pelo respeito ao outro e ao planeta, possam apontar novos caminhos que nos conduzam a uma vida mais equilibrada, pacífica, sustentável e, consequentemente, mais bonita e feliz. Dentre as posturas socioambientais que vêm ganhando importância e mais adesão na direção de uma vida melhor para todos, está a reutilização de materiais. Companheira de outros importantes R’s (repensar, reaproveitar, reciclar e recusar), a reutilização de materiais vem demonstrando que as suas mais variadas possibilidades ainda podem ser melhor aproveitadas e incorporadas como boa prática coletiva e como atitude individual. A nossa entrevista de novembro buscou uma vertente da reutilização que aponta para um caminho tão promissor quanto transformador: o campo das artes. Afinal, a arte é o canal ideal para a expressão da beleza, da sensibilidade, da harmonia e da transformação de realidades.

Vamos conhecer um pouco da história de vida da artista e arte-educadora Lucia Kubitscheck. Desde 1997, quando frequentou o Center for Book Arts, de Nova York (EUA), ela vem descobrindo novos caminhos e novos materiais para expressar suas idéias originais, seu talento e seu compromisso em favor do meio ambiente.

Lúcia, no Departamento Socioambiental da Vina, com sua obra: Open House.

Para quem nunca havia pensado em ser artista e que, já formada em Economia, viveu no Brasil, na Nicarágua, em Portugal, na Holanda e na Alemanha, trabalhando com planejamento e reforma agrária, a sua opção pela arte é surpreendente. Depois de viver em tantos lugares, porque você foi para Nova York e como foi que descobriu a book arts?

Lúcia Kubitscheck:  Realmente, eu nunca havia pensado em ser artista. Mas quando decidi ir para Nova York eu já estava vivendo um processo de transformação pessoal. Queria, de fato, mudar minha vida. Comecei criando álbuns para fotos com papel reciclado, pré-papel feito com cascas de árvores e palha de coqueiro, e decorados com folhas e flores, que eu coletava no Prospect Park. Era uma produção bem artesanal, com uma estética rústica, vendida por mim para amigos e para algumas lojas de objetos e cheguei, inclusive, a vender designs para uma revista feminina. Por indicação de uma amiga, cheguei ao Center for Book Arts (Centro de Artes do Livro), em 1997, e lá pude conhecer de perto as possibilidades estéticas do livro como objeto de arte. Frequentei oficinas e desenvolvi a utilização de diversas técnicas tradicionais e contemporâneas ligadas à encadernação, à cartonagem, à colagem, entre outras tantas. Me encantei e direcionei o meu trabalho para a exploração da estética do livro contemporâneo: o formato, a variedade de papéis, o livro-objeto e o desenvolvimento de novos objetos a partir daí. Desde então, meu material básico de criação é o papel.

Como você define o seu trabalho atual com a arte?

Lúcia Kubitscheck: Conceitualmente, o meu trabalho pode ser definido como universal. Ele é multicultural e incorpora elementos do feminino, da religiosidade brasileira e da busca constante por uma estética inovadora. Nas minhas criações, além da aplicação de várias técnicas, eu também utilizo suportes diversos – como bolsas, malas e caixas -, que recebem a nova função de acomodar e exibir as obras. As técnicas de cartonagem, encadernação, colagem, assemblagem, pintura, acoplagem, dobraduras de papel, assim com o a combinação de diferentes tipos de materiais, enfatizando colecionáveis, aparas de papel e a reutilização de peças e objetos, são marcas da minha criação.

Desde os álbuns criados em Nova York, a reutilização de materiais está presente no seu trabalho. Como você trabalha a incorporação desse conceito na sua atuação profissional?

Lúcia Kubitscheck: A reutilização está presente tanto em meu trabalho artístico quanto no meu trabalho social. Diante da proposta ampla dos cinco R’s, eu escolhi a reutilização como foco porque o descarte de materiais com possibilidades incríveis de reutilização – que é diferente da reciclagem – é imenso. Meu olhar para esses materiais é, hoje, o olhar de uma artista consciente do valor que eles têm. E justamente por isso, eu não aceito que eles sejam simplesmente jogados fora. Além dos objetos de arte, eu desenvolvo projetos originais na produção de cartonagem própria para escritórios – pastas, papeleiras, porta-papel, porta-lápis, porta-cartões, marcadores de livros – e vários tipos de álbuns.

 Obra: “My Love is For You”

Você também é arte-educadora e vem desenvolvendo trabalhos com grupos e instituições nas quais a reutilização de materiais e a recuperação de técnicas gráficas tradicionais são o ponto de partida para a criação coletiva de projetos artísticos, culturais e socioambientais. Como tem sido o seu trabalho com a arte-educação?

Lúcia Kubitscheck: Depois que eu voltei para o Brasil, e para Belo Horizonte, minha cidade, eu senti a necessidade de aprimorar os meus conhecimentos para consolidar o meu trabalho e ampliar a minha atuação social. Fiz uma pós-graduação em Arte e Educação, na UEMG, sempre com o foco no meu processo de criação.  A partir daí, participei e ministrei inúmeras oficinas de artes gráficas e de encadernação. No período de 2008 a 2010, trabalhei com a ONG Memória Gráfica – Typographia, Escola de Gravura, instituição voltada para a formação artística e gráfica de adolescentes entre 14 e 21 anos em situação de risco social e em conflito com a lei, sediada no Bairro Horto, em Belo Horizonte (MG). Lá desenvolvi projetos gráficos e fui coordenadora da equipe de professores na proposta interdisciplinar do projeto da Memória Gráfica: gravura, alfabetização visual, construção de textos e tipografia. Hoje, a Memória Gráfica está instalada também no Centro Cultural da UFMG, onde mantém o projeto Museu Vivo que, além de expor as antigas máquinas tipográficas recuperadas e abrigar artistas gráficos, continua a oferecer oficinas e cursos voltados para as artes gráficas (encadernação, encadernação antiga, marmorização, tipografia, entre outros). Nessas novas instalações eu já ministrei a oficina Estruturas Contemporâneas de Encadernação, que deve ser oferecida novamente no primeiro semestre de 2012.

Saiu recentemente na mídia que coleta seletiva de Belo Horizonte só atende a 14% da população e que, atualmente, só consegue recuperar 2,65% do total anual de 284 mil toneladas de materiais recicláveis disponíveis. Como é que você se sente em relação a essa realidade?

Lúcia Kubitscheck: Eu me sinto totalmente impotente diante dessa situação absurda. Primeiro, isso é uma questão política séria. Mesmo com algumas iniciativas acanhadas da SLU e a atuação corajosa de cooperativas e associações de catadores, não existe uma campanha pública efetiva que trabalhe as questões do desperdício, da poluição do ar e das águas. Não sei se você se lembra, pois foi há muito tempo, mas a do “Sugismundo” foi a última campanha pública de fato em favor da limpeza urbana. A Prefeitura de Belo Horizonte não está fazendo a parte dela: a coleta seletiva é irrisória, não existem espaços adequados e suficientes para a coleta e devida separação dos materiais recicláveis. Além do descaso com uma questão séria e urgente, a postura da PBH é pouco inteligente. Acham mais simples (e mais barato…) esgotar a capacidade de um aterro sanitário, com sérias consequências ambientais, do que investir em programas educativos e em infraestrutura para a coleta e a separação de recicláveis em parceria com as associações e cooperativas existentes. Na verdade, eu acredito que solução está na atitude individual em direção ao coletivo. O processo tem que ser de construção de uma consciência comunitária, cada um fazendo a sua parte e exigindo que o poder público faça a parte dele.

Material de divulgação do Departamento Sociomabiental produzidos pela Lúcia, em 2010.

E como foi o seu encontro com o projeto socioambiental da Vina?

Lúcia Kubitscheck: O primeiro contato com o projeto da Vina partiu de um convite que me foi feito pela Cláudia, coordenadora do Departamento Socioambiental, para criar um objeto de arte para integrar o acervo da sua sala especial – toda montada com mobiliário e utilitários criados a partir do reaproveitamento de materiais. Criei um objeto de arte muito curioso, que chamei de Open house e que representa simbolicamente um centro cultural. Depois disso, o Departamento Socioambiental lançou, no final de 2010, a campanha “Desembrulhe com carinho” que convidava as pessoas a desembrulhar os presentes de Natal com cuidado e a separar as embalagens para a Vina. As embalagens (incluindo fitas, cordinhas, sacos, sacolas) seriam recolhidas, separadas, selecionadas e transformadas em objetos utilitários para os escritórios e em brindes para as ações institucionais da empresa. Novamente fui convidada a desenvolver um projeto para a Vina e, dessa vez, com o material coletado na campanha. Trabalhando o design gráfico com o conceito socioambiental, eliminando logomarcas, selecionando palavras positivas e combinando materiais, desenvolvi porta-cartões, marcadores de livros e capas para documentos e relatórios do Depto. Socioambiental. Além disso, com esses materiais, desenvolvi também uma linha de utilitários de escritório para a sala da Profa. Tereza Aguilar, na Escola de Engenharia da UFMG. A campanha foi rica no seu propósito educativo e reforçou a atitude de responsabilidade socioambiental da Vina. Tanto que a campanha “Desembrulhe com carinho” será repetida este ano.

E tem mais: estou coordenando, agora em novembro, a oficina de produção do brinde 2011 da Vina – um jogo de Tangram – que será oferecido aos clientes e amigos da empresa. Seguindo uma tradição do Depto. Socioambiental de trabalhar sempre com inclusão e com o reaproveitamento de materiais, a oficina está sendo realizada com integrantes do Clube de Mães Harmonia, ligado ao Lions Clube Santa Tereza. Estamos produzindo as embalagens (criadas por mim) com retalhos de banners, recortes de bandejinhas de isopor e papelão pintado. Além da produção do brinde, estamos trabalhando conceitos estéticos e o desenvolvimento criativo de um produto, desde a concepção, a montagem, até a avaliação dos custos de produção. O resultado tem sido surpreendente.

Como já estamos, por incrível que pareça, no final do ano, você pode nos contar sobre os seus planos para 2012?

Lúcia Kubitscheck: Meus planos para o novo ano incluem um maior investimento no meu trabalho com arte-educação, com a criação e a realização de novas oficinas e, especialmente, vou me dedicar a preparar uma nova exposição. Não sei ainda o local, mas posso adiantar que a base desse novo trabalho serão gavetas de tipografia, que encontrei já em processo de decomposição. Elas serão recuperadas e serão o suporte para uma coleção de miniaturas criadas com papéis e materiais muito especiais. Não quero deixar de mencionar também que estou trabalhando na criação de uma linha exclusiva de utilitários para cafeteria.

Aproveito a entrevista para desejar que todos desembrulhem com carinho os presentes de Natal e que façam, para 2012, um bom propósito: reaproveitar muito e, assim, diminuir o lixo na cidade, no País e no planeta.

Lúcia Kubitschek e algumas integrantes do Clube de Mães Harmonia.

Entrevista realizada

em 22.11.2011 por Élida Murta.

Lúcia Kubitschek é artista plástica, arte-educadora, mora em Belo Horizonte (MG)

e, além de ministrar oficinas particulares e coletivas de artes gráficas,

tem dedicado parte do seu tempo a aprender técnicas de pintura.

EXPOSIÇÕES

2011 – 9o. Salão de Arte Contemporânea de Marília (SP), Brasil.

2010 – “Ego’s Dialogue”, “My Love is for You” e “New Millenium” –

Exposição Entre Amigos, Juçara Costta Epaço de Arte, BH, Brasil

2006 – “Open House” – Exposição permanente na VINA Equipamentos, Brasil

2004 – “Capela da Nonna” – Uma viagem de 450 anos a São Paulo – SESC SP/Brasil

2004 – “A Bagagem Mineira” – Biblioteca Pública, BH, Brasil

2002 – “Canteiro de Obras” – Sala JK, arquiteta Izabela Vecci, Casa Cor, BH, Brasil

2000 – “Na Han” and “My love is for you” – Galeria Celma Albuquerque, BH, Brasil