Regime militar: você sabe o que é?

24 de junho de 2015

A insatisfação com o atual governo do Brasil levou muitas pessoas a saírem nas ruas no início deste ano para semanifestarem contra a corrupção. Dentre todos os brasileiros que protestavam, havia grupos que clamavam pela volta da ditadura militar no País, pedindo socorro às Forças Armadas. Mas será que todas essas pessoas conhecem e entendem o que foi e o que é viver sob uma ditadura?

Diante de tanta insatisfação, revolta e desinformação, este é o momento certo para nos questionarmos. Mesmo que os grupos pró-ditadura não tenham sido maioria entre os que saíram às ruas no dia 15 de março, é necessário refletir. Talvez a chave esteja no conhecimento; ou na falta dele, gerando informações incompletas e tendenciosas e nos deixando vulneráveis a todo tipo de manipulação. É fundamental saber o que aconteceu, como, onde, por que e a mando de quem.


Rio de Janeiro, 15 de março de 2015.

O que foi o Regime Militar no Brasil?
Podemos definir a Ditadura Militar como sendo o período da política brasileira em que os militares governaram o Brasil. Durante os anos de 1964 a 1985, o país esteve sob controle das Forças Armadas Nacionais (Exército, Marinha e Aeronáutica). Essa época foi caracterizada pela falta de democracia, pela supressão de direitos constitucionais, pela censura, perseguição política, repressão e tortura aos que eram contra o regime militar.

Apesar disso, era denominada por seus mentores como “Revolução”, que justificavam o seu governo pela visão de que o cenário político do início dos anos 1960 era corrupto, viciado e alheio às necessidades do País naquele momento. Assim, todas as medidas tomadas eram interpretadas como salvadoras da vida social, econômica e política do País, livrando a nação da “ameaça comunista” e alinhando-a internacionalmente com os interesses norte-americanos, trazendo de volta a “paz e a ordem sociais”.

Passeata dos Cem Mil 
Em 1967, três anos após a instauração da ditadura no Brasil, o movimento estudantil tornou-se a principal força de oposição ao regime militar e várias manifestações foram reprimidas com violência. No dia 26 de junho de 1968, cerca de cem mil pessoas ocuparam as ruas do centro do Rio de Janeiro e realizaram o mais importante protesto contra a ditadura militar até então. A manifestação pretendia cobrar uma postura do governo frente aos problemas estudantis e, ao mesmo tempo, refletia o descontentamento crescente com o governo.

O ano de 1968, “o ano que não acabou”, ficou marcado na história mundial e na do Brasil como um momento de grande contestação da política e dos costumes. Esse movimento, no Brasil, associou-se a um combate mais organizado contra o regime: intensificaram-se os protestos mais radicais, especialmente os dos universitários, contra a ditadura. Por outro lado, a “linha dura” providenciava instrumentos mais sofisticados de repressão e planejava ações mais rigorosas contra a oposição.

Mediante todas essas ações de inconformidade, os representantes da cúpula militar acreditavam que o governo deveria articular medidas para inibir esses e outros episódios de natureza subversiva. Dessa forma, no dia 13 de dezembro de 1968, ocorreu a publicação do Ato Institucional n°5, conhecido como AI-5. Definiu o momento mais duro do regime, dando poder de exceção aos governantes para punir arbitrariamente os que fossem inimigos do regime ou como tal considerados.

O novo decreto permitia ao presidente estabelecer o recesso indeterminado do Congresso Nacional e de qualquer outro órgão legislativo, cassar mandatos e suspender os direitos políticos de qualquer cidadão por dez anos. Além disso, poderia ser realizado o confisco dos bens daqueles que fossem incriminados por corrupção. Logo após a publicação do AI-5, vários jornalistas e políticos foram presos, torturados e alguns foram assassinados na cadeia. O presidente Costa e Silva se dirigiu à nação dizendo que o AI-5 fora necessário para que “a corrupção e a subversão fossem combatidas, e a democracia resguardada”. Por medo e/ou ignorância, muita gente acreditou e aceitou as imposições e os abusos da ditadura.

Oficialmente foram totalizados 434 mortos e desaparecidos em 21 anos de ditadura.

Diretas Já 
No ano de 1979, o regime militar tomou algumas medidas que permitiram o retorno da liberdade democrática no País. O sistema bipartidário foi substituído por uma reforma política que abriu espaço para a formação de novos partidos. Mediante esse novo quadro, membros de oposição da Câmara dos Deputados tentaram articular uma lei que instituísse o voto direto. Em 1983, essa movimentação tomou a forma de um projeto de lei elaborado pelo deputado Dante de Oliveira, do PMDB.

Em um curto espaço de tempo, membros do PMDB, PT e PDT passaram a organizar grandes comícios, nos quais a população se colocava em favor da escolha direta para o cargo de presidente. Com a repercussão tomada nos meios de comunicação, essas manifestações se transformaram no movimento das “Diretas Já!”.

Reconhecido como uma das maiores manifestações populares já ocorridas no país, o movimento das “Diretas Já!” foi marcado por enormes comícios, em que figuras perseguidas pela ditadura militar, membros da classe artística, intelectuais e representantes de outros movimentos militavam pela aprovação do projeto de lei. Em janeiro de 1984, cerca de 300.000 pessoas se reuniram na Praça da Sé, em São Paulo. Três meses depois, um milhão de cidadãos tomou o Rio de Janeiro. Algumas semanas depois, cerca de 1,7 milhões de pessoas se mobilizaram em São Paulo.

Mesmo realizando uma enorme pressão para que as eleições diretas fossem oficializadas, os deputados federais da época não se sensibilizaram mediante os enormes apelos. Somente em 1988 foi aprovada uma nova constituição para o Brasil. A Constituição de 1988 apagou os rastros da ditadura militar e estabeleceu princípios democráticos no país.


O então presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães, declarou em 27 de julho de 1988 a entrada em vigor da nova Constituição Federal.

Comissão Nacional da Verdade
A CNV foi criada em 2012 pela presidente Dilma Rousseff – que também foi militante, presa e torturada durante a ditadura – para apurar todas as violações dos direitos humanos ocorridos durante o período de regime militar no Brasil. A comissão teve dois anos para apresentar seu relatório final, que foi entregue em 2014. Saiba mais aqui.

A divulgação de relatórios sobre a violência que se abateu sobre o País durante a ditadura contribui para esclarecer a população sobre a importância e o valor da democracia.


Clique para ampliar. Trecho do livro “Brasil: ditadura militar – um livro para os que nasceram bem depois…”

É tarefa de todos nós transmitir o que ocorreu no Brasil a partir de 1964, denunciar as consequências que ainda vivemos na nossa democracia e exigir as mudanças necessárias para reverter legados autoritários que ainda permeiam as instituições.

“Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado

Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa”
(Chico Buarque, 1973)