Na Lata

9 de julho de 2016

Este é um espaço reservado para entrevistas e textos contemporâneos que abordem o universo das boas ideias, das melhores práticas e das pequenas e grandes questões que envolvem as relações da sociedade com o meio ambiente, com a cultura, com a política e com todos os movimentos capazes de transformar positivamente o mundo em que vivemos.

Repensar, junto com vocês, será sempre a nossa proposta.

Fevereiro, 2016

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O cenário da educação, no Brasil e no mundo, é diverso e é desigual. A educação é a base para a descoberta e o entendimento de um mundo cada vez mais complexo. Embora esse cenário atual – e não só na educação – não seja favorável para a maioria das crianças do planeta, felizmente encontramos pessoas e grupos – educadores sensíveis e atentos – que “estão corajosamente enfrentando os desafios de reinventar a educação infantil do nosso tempo”.

As crianças pequenas têm um mundo próprio e estão dando os primeiros passos na jornada da vida. Em favor do crescimento pleno dessas crianças, que têm um longo caminho a percorrer – na educação e na vida -, precisamos conhecer e valorizar o universo da infância. Contrariando modelos de educação que promovem o individualismo e transformam as escolas em espaços de “castigo”, é preciso investir na criação de espaços de liberdade, ampliando a prática da melhor coisa que existe e que as crianças sabem de cor: brincar!

E como brincar não tem fronteiras, vamos conhecer uma dessas pessoas que vêm abrindo espaços significativos para a alegria e a liberdade de brincar e de aprender brincando.

Ela é brasileira, mora em Nova York há 14 anos, e com o seu Let’s Playgroup vem chamando as crianças para brincar todos os dias. Sua casa se transforma diariamente em território livre, adaptado para receber crianças de idades variadas que, ali, podem conviver, descobrir, explorar, aprender, interagir e, principalmente, se sentem livres para brincar sem parar!

LET’S PLAYGROUP!

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Meu nome é Alessandra Luiza de Morais Gabriel, mas ganhei de uma criança o apelido de Lelé e aí sou Lelé desde sempre. Vim para Nova York em 2002, para ficar por seis meses, e nunca mais voltei.

Quando cheguei a NY, eu encontrei um grupo de brasileiros e brasileiras, que tinham filhos pequenos, nascidos nos EUA, e que estavam preocupados com a prática da língua portuguesa. Assim, comecei a dar oficinas de brinquedo, conversando só em português e brincando as brincadeiras do Brasil. Depois, a mãe de uma das crianças me incentivou a trabalhar com crianças americanas também e eu formei um novo grupo. A partir daí, eu mudei a minha forma de trabalhar as oficinas. Até então eu brincava como brincava no Brasil e eu senti a necessidade de conhecer a cultura infantil americana também. As crianças eram muito pequenas e eu fui atrás de referências, canções e histórias americanas, pois era preciso uma adaptação àquela outra realidade infantil, e foi assim que surgiu o Playgroup.

O nosso Playgroup funciona na minha casa com crianças de várias nacionalidades, de 2 a 4 anos de idade, de segunda a sexta, e, às terças e quintas, estou trabalhando também, mais uma vez, com uma oficina só para crianças

A Filosofia do Let’s Playgroup

Ao brincar as crianças experimentam uma liberdade de ser, aqui e agora, em toda a sua totalidade. Ao brincar juntas, elas criam as próprias regras e aprendem a lidar com os próprios limites. O resultado desse encontro é o que eu chamo de cultura infantil.

Meu trabalho é baseado no desejo de que as crianças vivam essa cultura plenamente, na qual brincar é uma linguagem universal do conhecimento que inicia o ser humano em uma vida de liberdade, felicidade, unidade, equilíbrio, harmonia, humanidade e grandeza.

Espaço livre para brincar

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A casa da Lelé é antiga, não é muito grande, mas tem um pequeno quintal, com árvores, jardim e laguinho. Embora tenha tentado, ela não conseguiu uma licença oficial para usar o local para trabalhar. Ela decidiu correr o risco – junto com os pais – em nome da liberdade que as crianças têm ali. A licença oficial implicaria muitas limitações e regras que são o oposto da liberdade que o Playgroup oferece. É um risco que tem valido à pena, não é, Lelé?.

A minha responsabilidade é gigantesca. Aqui tudo é muito contido, é um país controlado pelo medo o tempo todo. Tudo vale um processo. Mas o nosso espaço é aberto e eu explico para as crianças, na prática diária, quais são os limites e os perigos da casa. Eu explico bem, elas me entendem e, assim, nunca tivemos nenhum problema aqui, nenhuma criança saiu machucada. E já são 13 anos!

Aqui temos muitos brinquedos, mesinhas, cadeirinhas, gavetas cheias, tecidos, almofadas, e tudo pode sair do lugar e pode servir para construir as brincadeiras. À medida que eles vão crescendo, o corpo vai entrando na brincadeira, a criança vai dominando o espaço e explorando novos movimentos, vai descobrindo habilidades, vai aprendendo coisas novas na convivência com as outras crianças. Se a criança está em um espaço onde ela pode correr, pode pular, pode subir, ela vai saber se movimentar nele.

Eu trabalho também muito com histórias e música, especialmente com a música brasileira. Tem uma alegria na música brasileira que faz todo mundo dançar. A reação das crianças é sempre diferente. Eu adoro que elas cantem em português. Toda vez que eu canto ou conto uma história que eu digo que é brasileira e que é de quando eu era criança, existe um interesse maior. Elas ficam muito curiosas, querem ouvir e querem aprender.

Aprendi com a educadora Lydia Ortélio, nunca esqueci e confirmo isso o tempo inteiro: na brincadeira, primeiro vem o movimento, depois a melodia, e, por último, a palavra. Quando as crianças cantam uma música em uma língua que elas não entendem, certamente cada uma vai ouvir e entender de uma forma diferente. A palavra vai mudar, mas a melodia será a mesma.

A gente não está formando o ser humano só para saber

A escola de hoje promove um massacre sobre a criança: pouco espaço, muita informação e muitas restrições. A hora e o lugar do recreio – quando o recreio existe – já virou outra coisa. O tempo do lanche é corrido, não existe espaço para brincar, e o individualismo e a inércia são estimulados e promovidos o tempo todo. As férias de julho duram só 15 dias! A realidade da escola mudou muito, o mundo é outro. Há um movimento contra o território da infância em curso. Na opinião da Lelé, tudo o que dá errado nos EUA e eles já não querem mais, o brasileiro copia. Acham que esse modelo de escola vai funcionar e não vai. Importaram até o bullying!

A gente cresceu numa época em que a gente ia pra escola de 7h às 12h ou de 13h às 17h. Aqui as crianças entram na escola às 8h e saem às 14h50. Ficam durante quase sete horas do dia num lugar onde o brincar muitas vezes não existe. Em um lugar onde não há muito espaço para “ser”, só para “aprender”. Criança brinca, não adianta. Ela sempre vai achar um jeito de brincar. Ela pode estar amarrada, pode estar presa, ela vai achar um jeito de brincar. É da natureza da criança querer brincar. Agora, a questão é a qualidade desse brincar, o que esse brincar vai significar na vida dela, em termos de desenvolvimento e crescimento. Aí é que são elas! Eu acho que uma criança livre, que vive no interior, por exemplo, e que está livre para brincar e escolher o que quer fazer, ela entende que é responsável por ela mesma. Vai aprender desde cedo a fazer suas escolhas, e a saber que toda escolha tem uma consequência. No momento que sai pela porta de casa e que a mãe não sabe mais onde ela está, a criança torna-se responsável por ela mesma. Eu cresci assim. Eu sei da força que existe e do poder dessa força quando nos é dada a chance de ser livre.

Aqui em Nova York tem um monitoramento que acontece o tempo inteiro. O pai e a mãe ficam em cima da criança. Eu observo muito isso aqui. Você sai para dar um volta no Parque – Lelé mora perto do Prospect Park, no Brooklyn – e passa na frente do playground. O que você vê? Um espaço cercado, lotado de crianças que estão “se matando” para usar um brinquedo, ou estão correndo, batendo, jogando areia umas nas outras. E as mães e as baby sitters lá, no celular ou conversando umas com as outras. Por que levam para o playground? Porque ali está tudo pronto, cercado, trancado, seguro. Mas qual é o sentido de ter um playground cercado dentro de um parque? Do lado de fora tem um gramado enorme e muitas árvores. Se os pais levam os meninos para o parque, para o espaço aberto, é claro que a primeira coisa que eles fazem é correr! Mas não quero, aqui, diminuir a importância dos playgrounds nos espaços urbanos. Seja no parque, nas praças, o que vemos muitas vezes são pais cansados e sem energia para brincar com essas crianças. E não tem que ser assim. As crianças não precisam de tanta restrição. Precisam de companhia e espaço livre para brincar.

Criança é “sobre si”

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Como você vê a importância do seu trabalho com essas crianças, como isso vai refletir na vida delas, no seu desenvolvimento? Elas crescem, vão pra escola e muda tudo. Qual é a influência que isso vai ter no futuro? Qual é a sua contribuição para a vida dessas crianças que passam pelo Playgroup?

A criança, quando ela brinca, quando está concentrada e completamente entregue à brincadeira, existe uma conexão e uma descoberta absoluta do ser. Acho que dar a chance para uma criança brincar livre é dar a chance de ela saber quem ela é. Não é ninguém falando quem ela é ou o que vai ser, ela sabe quem ela é. Se ela não tem essa chance desde quando nasce, quando é que a criança vai ser livre? A hora de saber quem a gente é acontece justamente quando brincamos. A gente, que brincou muito, toda vez que a gente para e lembra do que fez e brincou, não existe uma palavra que vá descrever aquele sentimento, mas existe um sentimento de conexão, de um todo. É uma coisa só, não tem partes divididas, sabe, a cabeça imaginou isso, meu corpo fez aquilo. Não! É uma coisa inteira, né? Eu tenho lembranças de sensações de brincar, por exemplo, de quando eu descia na pirambeira em um carrinho de rolimã. Carrinho que a gente construía! O sentimento daquilo, de você pegar do nada e construir uma coisa, junto com seus amigos, de escolher quem vai na frente. Cada hora era um que guiava o carrinho, e a gente descia morro abaixo. Essa sensação não tem preço! É um autodomínio, você pode ser, você é “sobre si”. Um menino, lá na Bahia, o Marivaldo, foi quem me disse isso: que ele era “sobre si”. O que ele queria dizer com isso? Que ele sabia exatamente o que queria, que ele era responsável, era inteiro no que ele fazia.

É preciso deixar os meninos serem “sobre si”. Acho que esse é o grande valor do brinquedo, do brincar. No brinquedo os meninos são. Qualquer um é, não é só criança. É ali que você está em conexão plena. E, se for na natureza, então é melhor ainda!

É preciso preservar um tempo para brincar, é a hora de não fazer nada. É nessas horas que muita coisa boa pode acontecer.

A criança fica o dia inteiro na escola, naquele stress de horários e restrições, e, quando chega em casa, vai fazer o quê? Vai fazer o dever de casa. Então, que horas que você vai fazer nada? Tem que ter uma hora para não fazer nada. E é na hora de não fazer nada que uma série de coisas incríveis acontece. Mesmo aqui, tem dia que elas não querem fazer nada. Deitam ali no colchãozinho vermelho, entram debaixo da mesa ou sentam na cadeirinha de balanço e ficam lá, quietinhos. Aí eu chego e pergunto: do que você está brincando? De nada! Ah! Então tá! Dali a pouco, as outras crianças querem saber por que ele está ali e todas entram debaixo da mesa e, aí, o ‘não fazer nada’ vira uma nova brincadeira!

Às vezes a gente tem a ansiedade de ocupar a criança. A criança não tá fazendo nada e a gente quer que ela faça alguma coisa. Na verdade, um ‘não fazer nada’ é um ‘pré-fazer tudo’! Se você fica ocupado o tempo todo, não sobra espaço para surgir uma coisa melhor. A criança, quando não está sendo monitorada, não faz nada que não seja da vontade dela. E tudo o que ela faz é muito verdadeiro, muito genuíno. Hoje estamos só andando para trás, existe um movimento contrário – especialmente nas escolas – sobre o que deve ser o espaço apropriado para a criança. Existe a questão do medo, da violência…

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Existe uma violência hoje em dia maior? Existe. Mas acho que o medo é maior do que a violência que existe na rua. Eu acredito que um movimento contrário ao medo ajudaria nessa questão. Temos que ocupar melhor os espaços da cidade, ir mais aos parques, às praças e criar um senso maior de comunidade. Assim, ocupando a cidade e em comunidade, a gente aos poucos vai diminuindo o espaço da violência. Na periferia, onde a violência é maior, as crianças estão todas na rua!

Criança gosta sempre de estar junto, gosta desse encontro. Uma coisa é o que o adulto acha que é bom pra criança e, a outra, é o que um adulto que observa bem a criança sabe que é bom. Porque muita coisa que dizem que é bom pra criança não é. Tem mais a ver com o que o adulto deseja para a criança ou para si do que realmente é bom pra ela. Por exemplo, todas essas atividades guiadas pra preencher o tempo da criança, usando o “brincar”, o “brinquedo” como isca.

O brinquedo e o brincar não têm que ter um propósito. Se existe essa ideia de que o brinquedo tem que chegar a algum lugar, tem que ter um objetivo, já não é brincar, é outra coisa. E as escolas usam o brinquedo nesse sentido. Fingem que estão brincando, mas não estão! Porque brincar é um movimento livre, espontâneo, que vai acontecendo e que não tem que chegar a lugar nenhum.

Lúdico é primo-irmão de pedagógico…

Muitas vezes me perguntam: qual é a sua linha pedagógica? A minha “linha pedagógica” é a intuição. É olhar para a criança e ver o que ela quer, o que ela precisa pra fazer o que ela quer. É uma conexão que você cria com as crianças e que te permite entender o que está sendo pedido ali, o que pode acontecer ali. Não tem linha nenhuma. É brincar. É só brincar. Eu não ensino nada. Eu brinco junto!

“Quando as crianças chegam, quando eu abro a porta, eu me esqueço do resto. Eu me transformo em mais uma criança brincando ali. E isso só acaba quando elas vão embora”. Lelé

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Lelé durante a entrevista realizada, pelo Skype, por Élida Murta.
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Lelé (Alessandra Luiza de Morais Gabriel) nasceu em Belo Horizonte (MG). Formada em Belas Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, sua experiência com crianças começou quando ela ainda era estudante e se encantou com o universo da cultura infantil. Decidiu se dedicar a pesquisar e a fazer valer o que as crianças, brincando, naturalmente já sabem. Vem aprendendo diariamente com elas. Em 2002, mudou-se para NY e abriu playgroups em Manhattan e em Park Slope. Desde 2004 vem aprimorando o seu aprendizado de brincar com as crianças no espaço livre do seu Let’s Playgroup.

Élida Murta é jornalista e colaboradora deste blog há 5 anos.

Novembro, 2015

Especial Dia Nacional da Alfabetização (14 de novembro)

Para celebrar e discutir a questão da alfabetização no Brasil atualmente, o vinavina falou com quem entende do assunto! Entrevistamos a atual vice-diretora da UMEI Águas Claras, Vânia Gomes. Ela é professora (graduada em Letras português/espanhol pelo Centro Universitário UNI-BH) e atua na educação infantil desde 1980, foi diretora da Escola Municipal Professor José Braz no período de 1993 a 1996, atuou como técnica na equipe da Gerência de Coordenação da Educação Infantil da Secretaria Municipal da Educação em Belo Horizonte no período da implantação das primeiras UMEIs no período de 2004 a 2008 e, desde 2009, assume o cargo de vice-diretora da UMEI Águas Claras, que fica no entorno da nossa nova sede e na qual já foram realizadas diversas atividades socioeducativas em parceria com a Vina.

Vânia Gomes Michel, na UMEI Águas Claras.
Vânia Gomes Michel, na UMEI Águas Claras.

1. O que significa alfabetizar no mundo atual?

Alfabetizar no mundo atual não pode se restringir ao simples ato de decifrar códigos, dominar o sistema de escrita da língua. Assim, torna-se inviável falar de alfabetização sem falar do letramento. É preciso considerar a alfabetização como uma ferramenta importante para a participação do sujeito nos espaços sociais e culturais. Portanto, é preciso associar o domínio do sistema alfabético, que é uma norma socialmente construída e que precisa ser ensinada, às práticas de uso dessa técnica para garantir as habilidades de leitura e escrita, compreensão e utilização da mesma como forma de expressão, de diálogo e, principalmente, como possibilidade de interação com o mundo, com outros sujeitos e de melhoria de sua condição social.

2. Por que no Brasil ainda temos tantos semianalfabetos e analfabetos?

Acredito que garantir o acesso de todos à escola não significa garantir a alfabetização. É fundamental que a escola seja um lugar interessante, atrativo, para assim assegurar a permanência e a aprendizagem do aluno. Quando a escola segue um modelo de educação ultrapassado, sem inovações, que não proporciona ao sujeito um espaço de criação, onde possa argumentar e buscar respostas próprias, a tendência é gerar no aluno uma insatisfação, uma falta de motivação para continuar os estudos por não se sentirem aceitos e não acreditarem no próprio potencial.

O alto índice de repetência é outro fator que leva o estudante a desistir da escola. A exposição diante de colegas, as humilhações e o sentimento de fracasso vão minando o desejo de aprender e vão produzindo no sujeito um sentimento de inferioridade e uma convicção de que deve aceitar sua sina de permanecer à margem, fadado a oferecer a sociedade uma mão de obra barata e pesada. Essa situação acaba gerando os analfabetos funcionais, situação na qual a pessoa é capaz de identificar letras e números, mas não consegue interpretar textos e realizar operações matemáticas mais complexas, comprometendo o desenvolvimento pessoal e social do indivíduo.

Para mudar essa realidade, as políticas educacionais precisam estar voltadas para atender a diversidade, buscando identificar as potencialidades de cada sujeito, valorizando-as, de forma a colaborar com as experiências e crescimento do grupo em que está inserido.

3. Quais são os prós e contras das tecnologias atuais (computador, tablet, celular…) no processo de alfabetização?

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É preciso reconhecer que os avanços tecnológicos, bem como o acesso às tecnologias, são realidades cada vez mais presentes no dia a dia das crianças pequenas. Os computadores e outros materiais tecnológicos já fazem parte do ambiente de aprendizagem, principalmente na família. Utilizar o celular, o tablet e o computador vem se tornando algo comum às crianças das mais diversas idades e classes sociais.

O professor, assumindo um papel de mediador da aprendizagem, assim como na família os mais velhos são modelo para os mais novos, precisam adotar comportamentos e atitudes em face das tecnologias. Não se pode ignorar que vários recursos contribuem na formação das crianças. O importante é identificarmos o papel que essas tecnologias exercerão nessa formação. A centralidade deve estar nas habilidades e potencialidades do sujeito e as tecnologias devem atuar como ferramentas. E, assim sendo, devem ter um tempo determinado de utilização e não podem assumir lugar de outras atividades que são primordiais para o desenvolvimento integral da criança, como o brincar, a socialização e as atividades coletivas.

É fundamental que os programas, jogos e aplicativos a serem disponibilizados para a criança pequena não apresentem apenas soluções mecânicas, repetitivas, onde exista apenas uma resposta ou caminho correto, pois estes não promovem o pensamento flexível e criativo. Outro aspecto a ser observado é que esses produtos tecnológicos a serem oferecidos não contenham violências, preconceitos ou estereótipos. Enfim, que sejam apropriados para a utilização pelas crianças e que venham a contribuir com o processo de aquisição da linguagem escrita, bem como de outras linguagens: oral, digital, plástica, matemática, dentre outras.

4. Qual é a importância do aprendizado por meio do brincar e do brincar coletivo?

As crianças apropriam-se da cultura e da vida cotidiana através do brincar, principalmente do brincar coletivo. Na brincadeira, assumem papéis, criam situações, buscam soluções, dividem tarefas, definem regras e combinados. Fantasiam e vivenciam, na brincadeira, histórias que poderiam perfeitamente ser fatos reais, buscando imitar e compreender o mundo dos adultos.

Ao brincar de forma espontânea, as crianças vão desenvolvendo habilidades e competências relacionadas ao convívio social, a questões básicas e regras simples que servirão de suporte para a aquisição de conhecimentos na leitura, na escrita, na matemática e em muitas outras áreas.

5. Qual é o diferencial do trabalho realizado na UMEI Águas Claras no processo de preparação das crianças para a alfabetização?

Desde a promulgação da LDBEN – lei de Diretrizes e Bases, 1m 1996 – Lei nº 9394/96, a educação infantil passou a ser considerada como primeira etapa da Educação básica. Esse reconhecimento coloca as instituições de atendimento à primeira infância, crianças de 0 a 5 anos, numa condição de instituição educacional, com objetivos e finalidades próprios ao desenvolvimento da criança pequena, deixando assim de ter caráter preparatório.

Assim, partindo das concepções de que cuidar e educar são ações indissociáveis, que a criança desde a mais tenra idade é um sujeito de direitos, que necessita interagir com o ambiente, os materiais e com adultos e crianças das mais diversas idades, define-se como finalidade do atendimento a esta faixa etária, o desenvolvimento integral da criança de 0 a 5 anos nos aspectos físico, psicológico, intelectual e social, contribuindo para a conquista gradativa da autonomia e da socialização.

Na UMEI Águas Claras buscamos propiciar uma socialização saudável, criando condições para as crianças conhecerem, descobrirem, resignificarem e ampliarem seu universo social, que inicialmente se restringe a família. O trabalho pedagógico na UMEI busca contemplar o desenvolvimento das mais diversas linguagens. Assim, as atividades de linguagem oral e escrita são organizadas de forma a desenvolver as habilidades necessárias para que a criança se expresse, conforme a sua idade, cada vez com mais clareza e utilizando mais recursos linguísticos.

Desde o berçário são proporcionadas atividades como leitura e contação de histórias, contato com livros diversos, músicas, dentre outras. Para as crianças maiores, além dessas atividades, são trabalhadas poesias, brincadeiras cantadas, quadrinhas, parlendas, a escrita do nome próprio, cartazes com: combinados, rotina, calendário; relatórios de projetos, visitas, passeios, bilhetes e comunicações para as famílias, etc.

Todas essas atividades vão colaborar no processo de alfabetização da criança, que no nosso entendimento, inicia-se tão logo a criança ingressa na instituição. Vivemos em um ambiente no qual a escrita e a leitura estão presentes no dia a dia de todos: em casa, nos produtos, nos espaços sociais, nos meios de transportes e, principalmente, na escola. A sistematização da escrita e da leitura, que deve ocorrer nos primeiros anos do ensino fundamental, com idade entre 6 a 8 anos, irá acontecer de forma muito mais tranquila para aquela criança que vivenciar, de forma prazerosa, o contato com o mundo

6. Como educadora convicta, quais são os seus conselhos para as famílias de todas as crianças?

Minha mãe dizia que “filho não vem com bula” e “os dedos das mãos não são iguais”, por isso acredito que não há uma receita pronta. Como mãe de dois filhos e educadora posso dizer quais atividades e atitudes considero que contribuem para uma boa educação e que facilitam o desenvolvimento da linguagem escrita pela criança. Seguem

  • Leiam muito para seus filhos, contem histórias, cantem cantigas de roda;
  • Brinquem com eles, passeiem em parques, praças e em espaços culturais;
  • Acompanhem o dia a dia de seu filho na escola, pergunte-lhe como foi seu dia, do que mais gosta na escola, responda às suas perguntas, satisfaçam as suas curiosidades;
  • Deixem-nos vivenciar a infância brincando, fantasiando, sendo criança;
  • Escolham bem a programação da TV para que eles assistam. E que seja o mínimo de tempo possível.
  • Defina limites, cumpra os combinados, não prometa-lhes algo que não possa cumprir.

Nós, os adultos, somos espelhos para as crianças, sejam elas nossos filhos, sobrinhos, vizinhos ou alunos. Portanto, precisamos estar vigilantes quanto às nossas atitudes e ações diante das crianças. O velho ditado do “Faça o que eu falo, não faça o que eu faço” nunca deu certo e não vai ser com a criança que ele dará.

“Sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo nem ensino.” (Paulo Freire)

Outubro, 2014

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Eleições – 2º turno

O segundo turno das eleições 2014 acontece no próximo dia 26 de outubro. Já falamos aqui no blog sobre a importância do voto consciente.

Agora, na reta final da decisão para os candidatos à presidência, retomamos esse assunto, que é de extrema importância para o futuro do Brasil.

Seja qual for o seu candidato, vote com consciência!

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Pesquise, leia, reflita, converse com seus amigos e com a sua família.

Busque informação em outros meios de comunicação além da TV.

Converse com pessoas que saibam e entendam de política.

Para ajudá-lo nesse processo, o vinavina traz, na entrevista abaixo, as reflexões de dois cidadãos que entendem de política e que opinaram sobre temas atuais, tais como: voto consciente, obrigatoriedade do voto e corrupção.

Com a palavra:

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Guilherme Wagner Ribeiro
Professor da Universidade Católica de Minas Gerais
Advogado, doutor em Política pela PUC Minas.
wagnerr@almg.gov.br

Ele respondeu as seguintes perguntas feitas pelo vinavina:

1. Você acredita que o brasileiro tem consciência do poder do seu voto?
O brasileiro está começando a desconfiar que tem alguma coisa muito errada com as regras que transformam o nosso voto em candidatos eleitos. Está crescendo a consciência da necessidade de uma reforma política.

2. De que forma a política deveria ser abordado na sociedade?
A política não pode ser vista como uma coisa ruim ou suja, da qual queremos distância. Mas instituições sem problemas, perfeitas, só em nossos sonhos. A igreja tem seus problemas. Toda família também tem problemas. Nesse sentido, é importante encorajar as pessoas a participarem da política. E o primeiro passo para participar da política é ser curioso, é buscar mais informações, em jornais, conversando com amigos que conhecem mais sobre o que o governo faz ou deixa de fazer. O segundo passo é participar de associações de bairro, de sindicatos, associações de defesa de interesses da sociedade, como de usuários de ônibus, de defesa do meio ambiente, etc.

3. O que você pensa sobre o voto obrigatório num regime democrático? O que ele representa?
Se não houver o voto obrigatório, quem vai deixar de votar? Pesquisas sugerem que os mais pobres serão os primeiros a deixar de votar. Também vai deixar de votar quem não vende o seu voto, porque quem vende vai querer é vender mais caro. Mais um problema: em determinadas regiões, organizações criminosas ou grandes empregadores em cidades pequenas poderão inibir os cidadãos que quiserem votar caso queiram prejudicar alguma liderança da comunidade que ameaça incomodar os poderosos.

4. Como você analisa a questão da corrupção, hoje, no Brasil? Somos um país no qual a corrupção faz parte da rotina do brasileiro. Como mudar esta cultura?
Sobre corrupção, não estamos no fundo do poço, no pior dos mundos, mas no começo de um processo em que políticos corruptos respondem judicialmente, são presos, perdem cargos. Em que o governo não pode impedir que a polícia ou o Ministério Público investigue.

5. Como você acha que a população brasileira poderia fazer valer os seus desejos, como nação, e exigir os seus direitos dos políticos que ela elege?
Uma andorinha sozinha não faz verão. Para que a população possa fazer valer os seus direitos, é muito importante que ela se organize em diferentes tipos de associações. Associações de bairro, de pais e mestres, em sindicatos. Juntos é mais fácil aprender a defender os nossos direitos, a buscar informações, a ser recebido por autoridades, a dialogar com o poder público. Mas é importante também que essas associações não defendam apenas os direitos dos associados, mas preocupe-se também com o interesse de todos.

Com a palavra:

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Levi Carneiro
Diretor da Ideia Comunicação, formado e pós-graduado pela UFMG em Direito.
Trabalha há mais de 20 anos na área de Comunicação, Publicidade e Branding.
levi@ideiacom.com.br

Ele escreveu o texto abaixo a partir das nossas perguntas:

Eleição é igualzinho construção

“Imagine que você vai participar de um grande mutirão para construir alguma coisa. Qual é a primeira coisa importante? É saber exatamente o que é o projeto da obra que vai ser construída, não é verdade? Não dá para entrar no mutirão no escuro. Outra pergunta fundamental é saber quem está envolvido e comprometido com a execução da obra. Temos de saber com quem nós podemos contar na hora do trabalho duro. Por fim, é indispensável saber qual será o resultado daquela obra. Quais benefícios a obra vai trazer e para quem serão esses benefícios?
Eleição também é assim: tem que conhecer o projeto, saber quem está apoiando e ver se os resultados vão beneficiar a maioria. Sem isso, fica difícil votar e participar. Por isso, faça essas perguntas, vote e ajude a construir o melhor para o Brasil.”

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Setembro, 2013

Reforma Política

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O texto Os protestos de junho, a corrupção e a reforma política, do professor do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG Newton Bignotto – que gentilmente aceitou o nosso convite – nos oferece uma reflexão sobre a relação entre a Reforma Política e a corrupção no Brasil contemporâneo.

Os protestos de junho, a corrupção e a reforma política

Newton Bignotto

As grandes manifestações ocorridas em várias partes do Brasil no mês de junho pegaram de surpresa uma boa parte da população e dos analistas da política nacional. Originadas no movimento de luta pelo passe livre, em São Paulo, elas se alastraram rapidamente por várias capitais, atingindo proporções gigantescas em alguns locais. Desde então, multiplicaram-se as análises do fenômeno na tentativa de entender o que estava acontecendo e qual rumo as coisas tomariam. Na França, o jornal Libération chegou a perguntar se se tratava de uma revolução e se estaria acontecendo no Brasil algo semelhante ao que ocorrera, por exemplo, em países como a Tunísia e o Egito, na denominada “primavera árabe”. A manchete denotava desconhecimento da realidade política brasileira, em nada comparável àquela dos países mencionados, mas chamava a atenção para o fato de que algo parecia estar mudando na política brasileira e que essa mudança começara pelas ruas.

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Quase tão intensa quanto os protestos foi a batalha por sua interpretação. Mesmo sem entender necessariamente os que estava ocorrendo, grupos políticos das mais variadas tendências procuraram não apenas compreender o acontecido mas se apropriar de seu significado aproximando-o de suas bandeiras históricas ou inventando uma nova bandeira. A análise de acontecimentos políticos, sobretudo daqueles de grande intensidade, quando realizada muito próxima deles, identifica-se muito mais com o terreno da opinião do que com aquele do saber. Não há nada de errado com isso, é mesmo algo natural, que constitui e sinaliza a existência de uma esfera pública viva e desejosa de mudanças. O que devemos observar, no entanto, é que as interpretações “a quente” de fenômenos políticos terminam por fazer parte do fenômeno elas mesmas, interferem em seu curso e, muitas vezes, têm baixo poder de explicação.

Alguns já começaram a chamar as manifestações ocorridas no Brasil de “jornadas de junho” numa alusão a grandes acontecimentos da história ocidental. A editora Boitempo, por exemplo, acaba de lançar um livro, Cidades rebeldes, que reúne uma série de artigos, nos quais aspectos variados são abordados por autores que, em sua maioria, partiram da ideia de que a variedade das reivindicações, e a multiplicidade dos atores presentes na cena pública, tornam difíceis as interpretações, embora muitos dos que escreveram tendem a enxergar um momento inovador da política brasileira, capaz de fazê-la se abrir para pautas que até então eram exclusivas de grupos militantes e mobilizados.

Sem descurar da importância das análises apresentadas, acreditamos que ainda é cedo para propor uma interpretação de conjunto das manifestações e mesmo de prever qual impacto terão na cena política brasileira. Isso ocorre não apenas pelo motivo levantado acima, mas, também, porque as reivindicações e os grupos envolvidos foram tão múltiplos e diferenciados, que é difícil encontrar uma síntese capaz de indicar a direção que será seguida pela política brasileira nos próximos meses.

Na verdadeira cacofonia das reivindicações que tomaram as ruas é possível, no entanto, identificar questões e temas que vieram para ficar, exatamente porque sua expressão nas ruas vinha acompanhada por uma longa maturação em fóruns menores, mas já organizados antes dos acontecimentos. A pauta mais evidente e talvez a mais aguda é sem dúvida aquela dos transportes públicos e de sua precariedade. Temas ligados à saúde e à educação também ganharam destaque, mesmo se muitas vezes guiados por corporações mais interessadas em seus benefícios do que no bem estar da população em geral.

Outro conjunto de temas estabelece a ponte entre a corrupção e a necessidade de uma reforma política para combatê-la. Esses são dois tópicos antigos do debate nacional, mas estão longe de ter produzido ações compatíveis com sua importância e com sua urgência. Em particular, eles parecem capazes de galvanizar os debates eleitorais, mas não de modificar o comportamento dos atores políticos institucionais. Assim, sem pretender hierarquizar as demandas e os temas debatidos, acreditamos que uma das heranças imediatas dos protestos de junho é o fato de que eles escancararam a necessidade de pensar de forma aprofundada as questões que nos angustiam. Essa urgência advém não apenas do fato de que os problemas são reais e importantes, mas porque abandoná-los para os que pensam em se servir deles para fins particulares pode produzir efeitos contrários aos que emergiram na cena pública brasileira. Pensar a corrupção como uma questão exclusivamente moral serve para ocultar seus mecanismos e para esvaziar sua dimensão política. Pensar a reforma política do ponto de vista dos mecanismos eleitorais serve para esconder o profundo mal-estar que domina parcelas da população quando se referem à maneira como a vida política brasileira é conduzida. Mais modestamente, portanto, acreditamos que ainda é cedo para as interpretações de conjunto do ocorrido, mas está no momento de aprofundar as reflexões e deixar de lado o terreno escorregadio das opiniões, para colocar em questão teorias e conceitos que até hoje balizaram os debates sobre temas que de forma mais ou menos intensa explodiram na cena pública brasileira. Essa tarefa longe de ser apenas o apanágio dos especialistas concerne o conjunto dos que se interessam pela vida política brasileira e desejam transformá-la. Enraizar os problemas na longa duração pode ser uma estratégia para abordá-los de maneira fecunda, reconhecendo ao mesmo tempo sua urgência e sua perenidade na vida política brasileira. A seguir apresentamos algumas reflexões sobre o problema da corrupção que foram feitas há alguns anos, quando o tema da reforma política estava em alta em nosso País. Acreditamos que elas guardam, ainda, sua pertinência exatamente porque pouca coisa mudou desde então.

Corrupção e Estado de direito

Newton Bignotto

Texto originalmente publicado em: AVRITZER, Leonardo; ANASTASIA, Fátima: Reforma Política no Brasil. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2006.

Quando se discute reforma política no Brasil, um dos obstáculos mais citados para o pleno desenvolvimento da vida democrática no país é a corrupção frequente dos agentes do Estado e os prejuízos causados pelo que muitos acreditam ser um fato generalizado na vida pública. Essa percepção do senso comum acompanha a maneira como alguns cientistas políticos definem o fenômeno da corrupção nas sociedades contemporâneas. Gianfranco Pasquino, no conhecido Dicionário de Política, editado, dentre outros, por Norberto Bobbio, afirma que corrupção “designa o fenômeno pelo qual um funcionário público é levado a agir de modo diverso dos padrões normativos do sistema, favorecendo interesses particulares em troco de recompensa. Corrupto é, portanto, o comportamento ilegal de quem desempenha um papel na estrutura estatal”. Ao colocar assim o problema, o autor restringe seu alcance aos atores diretamente relacionados com a ação governamental e sugere que a corrupção é primariamente um ato ilegal, perpetrado por aqueles que deveriam zelar pelo bom funcionamento do aparelho estatal, notadamente os funcionários. O âmbito de ação dos corruptos é, pois, essencialmente o Estado.

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A abordagem da questão tal apresentada mostra que o principal remédio para a corrupção deve ser de natureza legal, uma vez que ela é antes de tudo um ato de ilegalidade. Isso sugere que uma reforma política deveria se concentrar na modificação da legislação vigente, visando adequá-la ao caráter generalizado que o fenômeno parecer ter adquirido na sociedade brasileira. Ocorre que, se estudarmos o problema desse ponto de vista, será mister reconhecer que o aparato legal brasileiro, como o de muitas nações democráticas – está longe de ser omisso em relação aos funcionários que transgridem a lei. O código de conduta do funcionalismo, assim como a legislação brasileira em suas várias formas, prevê uma série de punições, que são aplicadas com maior ou menor sucesso pelas corregedorias públicas, assim como pela justiça comum. A reforma da legislação certamente pode torná-la mais eficiente diante dos muitos desmandos que dominam nossa vida pública.

O que se deve perguntar, entretanto, é se a análise por esse viés abarca todos os aspectos do problema, mesmo na forma como é percebido pelo senso comum. O mal-estar que domina muitos setores da sociedade brasileira, quando confrontados com a pergunta sobre o funcionamento do Estado, não parece se esgotar na queixa contra a ineficiência dos mecanismos legais em punir os transgressores. A corrupção é tida como um problema para a sociedade brasileira, em grande medida, porque é percebida como parte de nossa vida política em toda sua extensão e não apenas em uma de suas dimensões. Quando se fala da corrupção dos políticos, o fenômeno ganha uma amplitude que não está prevista na análise de muitos cientistas sociais. A restrição da questão, no entanto, como aquela operada por Pasquino, tem o mérito de apontar para soluções possíveis pelo uso de mecanismos tradicionais de controle das atividades do Estado, que se torna muito mais difícil quando tomamos a corrupção em sua acepção mais larga, que afeta a relação dos cidadãos de um Estado com a vida política em geral e não apenas com uma de suas instâncias mais facilmente identificáveis. No caso brasileiro, parece-nos, entretanto, que o conceito alargado de corrupção está mais próximo das preocupações dos cidadãos comuns do que a abordagem restritiva proposta por alguns cientistas sociais.

Historicamente o problema da corrupção faz parte do vocabulário da filosofia política desde a antiguidade. Platão abordou a questão no oitavo livro da República. Para o pensador grego, cada regime político corresponde a um tipo de homem. Assim, numa aristocracia, um determinado grupo social restrito ocupa o poder e governa segundo seus interesses e valores. Quando os filhos dos aristocratas perdem a capacidade de reproduzir o comportamento de seus pais, o regime se corrompe e se transforma em outra forma de governo. O importante nessa mudança de regime é que ela é inevitável aos olhos do filósofo e se tornava inexorável com o passar do tempo.

A herança platônica foi recebida por Aristóteles – que a ela dedicou páginas luminosas no quinto livro de sua Política – e, depois, foi popularizada pelo historiador grego Políbio, que viveu no segundo século de nossa era. Ele afirmava que os regimes mudavam segundo uma ordem pré-determinada e sempre num mesmo sentido. Dos melhores regimes passa-se para os piores até que é preciso regenerar inteiramente o corpo político. Para resistir a essas mudanças, é necessário misturar na constituição do regime elementos oriundos das três formas não degeneradas de governo: a realeza, a aristocracia e a democracia. Com isso pretende-se evitar que a simples passagem do tempo destrua o corpo político sem que os homens possam fazer algo para detê-la. No entanto, mesmo num regime misto, a corrupção é um fato inexorável, que pode ser retardado, mas não evitado para sempre. Para os antigos havia, portanto, uma relação direta entre o comportamento dos homens e a corrupção do corpo político, mas ela dizia respeito à essência dos regimes. O que se corrompia eram as formas políticas, mas a origem do processo estava nos homens, nos costumes degradados e na violação frequente da lei. Durante o Renascimento, os humanistas italianos, Maquiavel em particular, retomaram o problema e o estudo da corrupção, insistindo sobre o fato de que se os homens fracassam em defender os valores republicanos, a corrupção ganha terreno e destrói o corpo político.

Na modernidade Montesquieu abordou, no oitavo livro de seu Do espírito das leis, o tema da corrupção de uma maneira que lembra a dos antigos. Para ele : “A corrupção de cada governo começa quase sempre pela dos princípios”. Mas o que é um princípio? Para o pensador, princípio é o que faz um regime político agir, a seta que guia os homens em suas ações, quando devem fazer escolhas na cena pública. Numa república o princípio é sempre a virtude. Isso não significa dizer que num regime republicano – que para ele engloba as democracias – os homens ajam virtuosamente ou sejam sempre virtuosos. Montesquieu, no livro quarto do Do espírito das leis, afirma que: “Podemos definir esta virtude como o amor pelas leis e pela pátria. Este amor. Exigindo sempre a supremacia do interesse público sobre o interesse particular, produz todas as virtudes individuais; elas nada mais são do que esta supremacia”. Ao se corromper o princípio de uma república o que se constata é que os homens deixam de agir por amor à pátria, ou param de defender os interesses públicos acima de tudo, e passam a se guiar por outros ideais, que tanto podem ser os desejos individuais quanto a honra que move as monarquias.

No século XIX, essa maneira de abordar o problema da corrupção deixou de ser considerada e foi aos poucos perdendo terreno para análises mais próximas daquelas que dominam hoje as ciências sociais. Que sentido tem, então, recorrer ao passado? Certamente não podemos mais nos referir à corrupção como a um fenômeno natural, nem mesmo esperar da mistura de diversos modelos de governo a solução para as graves questões suscitadas pela corrupção dos agentes do Estado. O que cabe é reter a ideia de que ao se corromper o corpo político perde sua identidade e deixa de oferecer a seus membros a proteção de suas leis. Para manter viva essa herança devemos, pois, ver de que maneira a modernidade alterou nossa forma de pensar a natureza dos corpos políticos e sua forma de funcionar.

O primeiro passo para efetuar o vínculo entre a tradição e a modernidade é reconhecer que a identidade das nações contemporâneas é garantida por sua constituição –conjunto de leis fundamentais, que não pode ser modificado pelos governantes particulares – e não mais por princípios abstratos ou transcendentes. Embora possamos pensar a constituição de diversas maneiras, o que reúne as diversas concepções é a ideia de que os Estados modernos são estruturados em torno de leis fundamentais, que garantem seu funcionamento e limitam os poderes dos governantes. Tanto para aqueles que, como Rousseau ou Hegel, enxergam na constituição um organismo jurídico, que confere unidade ao Estado, quanto para os que, como Locke e Rawls, veem no aparato legal constitucional uma maneira de garantir os direitos individuais pela limitação dos poderes, a afirmação da identidade do Estado moderno por sua constituição parte do princípio da superioridade das leis sobre as vontades individuais. Nesse sentido, ao criar o mecanismo constitucional, seja pela preservação dos costumes e leis tradicionais (Burke), seja pela expressão escrita da vontade do povo (Thomas Paine, Rousseau), os cidadãos assumem que desejam viver segundo seus princípios e que estes não poderão ser destruídos sem que o Estado também o seja. Uma das consequências dessa maneira de abordar o problema da fundação das formas políticas é que não há Estado de direito e constituição sem que aja delimitação das fronteiras entre o domínio público e o domínio privado. Da mesma forma, nessa lógica, a constituição é o marco último para decidir da legalidade ou ilegalidade de uma ação.

Para pensar o problema da corrupção no Brasil é importante fugir de sua interpretação corriqueira para levar em conta as relações complexas, que se estabeleceram ao longo dos anos entre órgãos estatais e grupos privados. Dentre nós, a constituição nunca chegou a ocupar o lugar que tem na vida política de nações como os Estados Unidos. Embora tenhamos uma rica história constitucional, a separação entre o público e o privado nem sempre é percebida como um fato derivado das leis fundamentais e nela refletidos. De um lado, grupos ou partidos políticos que chegam ao poder costumam desconhecer o fato de que o aparato constitucional constitui um limite intransponível para suas ações. Agindo como grupo privado, vários atores políticos se comportam como se a vitória nas eleições significasse a posse da totalidade dos poderes do Estado. A confusão entre a esfera do governo e os domínios do Estado conduzem à crença de que a soberania popular, origem das leis em uma democracia, é apenas uma referência ideal, sem correspondência na realidade. Por outro lado, o próprio Estado parece reproduzir seus quadros, como mostrou Faoro, criando um grupo dirigente, que não reconhece limites para suas práticas, além daqueles inerentes às disputas políticas.

Olhando para esse quadro é possível concluir que, no Brasil, se a corrupção é em grande medida o efeito do comportamento ilegal de funcionários públicos, ela é um fenômeno que atinge setores muito mais amplos de nossa sociedade e ameaça romper o equilíbrio constitucional, atentando contra alguns de seus princípios fundamentais. Atacar o problema de frente implica retomar o debate sobre as definições entre o público e o privado e pensar numa reforma da legislação que contemple o conjunto das forças políticas e não apenas os agentes do Estado. Essa ampliação dos horizontes da análise ajuda a ver que a corrupção é um risco para os fundamentos da democracia. Ao preferir os interesses privados aos interesses públicos, mais do que transgredir a lei, atinge-se o núcleo mesmo do Estado: sua constituição. Uma reforma da legislação terá pois necessariamente que levar em conta a ameaça representada pelos corruptos e o fato de que a corrupção diz respeito à maneira como a sociedade como um todo lida com a coisa pública. O Estado de direito não sobrevive sem que todos os atores envolvidos no processo sejam responsabilizados e sem a afirmação da superioridade do bem público sobre o bem privado. É claro que os crimes cometidos por funcionários e cidadãos devem ser punidos segundo a legislação vigente. Mas, se quisermos levar em conta a natureza verdadeiramente política da corrupção, será preciso prestar atenção a seu nascedouro nas relações promíscuas entre os interesses de agentes particulares e as ações governamentais. Sem uma definição clara das fronteiras entre o público e o privado e a extensão da punição a todos os agentes corruptores, as diversas práticas ilegais, que caracterizam a corrupção no Brasil, serão um ameaça constante à manutenção do Estado de Direito. A ideia dos antigos de que a corrupção dos homens leva à destruição do corpo político serve, assim, como uma indicação dos riscos que corremos quando abandonamos o marco das leis fundamentais, para gerirmos a vida pública com a lógica imediata das disputas eleitorais.

Referências bibliográficas:

  • ARISTOTE. La politique. Paris: J.Vrin, 1982.
  • BOBBIO, N (et al). Dicionário de Política. Brasília: EDUNB, 1992, 2 vol.
  • FAORO, R. Os donos do poder. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2001
  • LOCKE, J. Two treatises of government. Cambridge: Cambridge University Press, 1960.
  • MONTESQUIEU. Do espírito das leis. São Paulo: Ed. Abril, 1979.
  • PLATÃO. A República. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
  • RAWLS, J. A Theory of justice. Oxford: Oxford University Press, 1973.
  • ROUSSEAU, J.J. O contrato Social. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1999.

Newton Bignotto

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  • Pós-doutor em Filosofia pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales
  • Pós-doutor em Filosofia pela Universite de Paris VII – Universite Denis Diderot.
  • Doutor em Filosofia pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales
  • Mestre em Filosofia pela UFMG
  • Graduado em Filosofia pela UFMG
Charge por Ivan Cabral, em 4 de julho de 2013.
Charge por Ivan Cabral, em 4 de julho de 2013.

Junho

Especial Código Florestal Brasileiro

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…a polêmica ainda não terminou!

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Dando continuidade às nossas reflexões sobre o movimento VETA, DILMA!, queremos, neste novo post, abrir espaço para falar sobre o que foi, nas últimas semanas de maio, o movimento articulado e realizado em Belo Horizonte, Minas Gerais.

Dentre os que, desde o princípio, articularam e participaram ativamente desse movimento em Belo Horizonte, estão: Eduardo Ferreira, Gabriel da Luz, Lúcia Formoso e Raul Lansky.

Estive presente e participei de três das cinco manifestações públicas do VETA, DILMA! e tive a oportunidade de conversar com eles durante e depois desses encontros.

Lúcia Formoso, Raul Lansky e Gabriel da Luz
Lúcia Formoso, Raul Lansky e Gabriel da Luz

Fiquei sabendo, por Raul e por Lucia, que o ‘primeiro movimento do nosso movimento’ aqui partiu de uma conversa entre eles sobre o absurdo daquela aprovação do Código Florestal “alterado”. A indignação dos dois tomou corpo e logo virou atitude. Não havia tempo a perder. Mesmo sendo véspera de feriado, eles fizeram uma convocação relâmpago, via facebook e e-mails, para uma manifestação a ser realizada no dia 1º de maio em Belo Horizonte. A resposta foi imediata! Na rede, mais de 2.000 pessoas responderam ao chamado. Na rua, pelo menos 300 pessoas estavam lá na Praça Sete, Centro de BH, para pedir o VETA, DILMA!

A empolgação tomou conta do grupo que se formou ali e do qual – entre várias pessoas – participavam Gabriel da Luz e Eduardo Ferreira. Todos os quatro já se conheciam e, compartilhando do mesmo propósito, descobriram que ainda daria tempo para pressionar a Presidente Dilma no sentido de vetar o Código Florestal – fazendo coro com todos que, àquela altura, já estavam se manifestando em todo o Brasil.

Manifestação em BH, Praça Afonso Arinos - 05/05/2012
Manifestação em BH, Praça Afonso Arinos – 05/05/2012

Lúcia Formoso: A forma como tudo aconteceu aqui foi muito bacana, foi espontânea. Colocar a convocação na rede social potencializou a iniciativa do Raul e a resposta foi imediata. Não tínhamos, naquela primeira manifestação, a certeza sobre o prazo para o veto e, na Praça Sete, a gente sentiu uma integração no movimento das pessoas que se mobilizaram e, também, das que se manifestaram pela rede. O importante era divulgar para o maior número de pessoas. Mesmo sentindo a falta da presença dos movimentos ambientalistas mineiros, tivemos cobertura da imprensa e isso era importante naquele momento. A presença do Eduardo, com sua animação sempre pró-ativa, foi uma sorte e nos motivou muito para marcarmos uma nova manifestação.

Raul Lansky: No dia em que a Câmara dos Deputados aprovou a alteração no Código Florestal, conversei com a Lucinha sobre isso e chegamos à conclusão de que devíamos marcar aqui uma manifestação. Achei que seria mais rápido convocar a nossa manifestação pelo facebook. Já havia em São Paulo alguma mobilização, inclusive na internet. Mas o VETA, DILMA! “pegou” mesmo foi no início de maio. Na Praça Sete, apareceram umas 300 pessoas e juntos fizemos muito barulho na caminhada até a Praça da Estação. Ficamos animados e resolvemos dar continuidade à nossa mobilização. Gabriel e eu já tínhamos marcado viagem para acompanhar a virada cultural em São Paulo. Mas o Eduardo se encarregou de organizar uma nova manifestação para o sábado seguinte na Praça Afonso Arinos.

Gabriel da Luz: Em São Paulo, assim como nós dois, durante a Virada Cultural, muita gente levou cartazes do VETA, DILMA! e alguns participantes famosos – como Alex Atala, que decorou sua barraca gourmet com cartazes e bandeiras do movimento – se manifestou. No show do Gil, inclusive, tinha muita gente com cartazes e faixas pedindo o veto. Fiquei decepcionado porque ele não fez, como poderia, nenhum comentário sobre aquelas manifestações e nem sobre a importância do veto…

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Enquanto Gabriel e Raul estavam em São Paulo, Eduardo Ferreira deu início à convocação e preparação de uma nova manifestação, marcada para acontecer na Praça Afonso Arinos, também localizada na região central de Belo Horizonte.

É importante comentar, aqui, que Belo Horizonte vem recuperando – nos últimos dois anos – a “arte de protestar com bom humor”. Nós compartilhamos da ideia de que a inteligência somada ao bom humor pode ser uma arma política muito mais eficaz do que a violência nos processos de contestação e de convencimento. Em Belo Horizonte, ultimamente isso tem dado certo. Movimentos como o “Praia da Estação” e a marchinha carnavalesca “A coxinha da madrasta” são bons exemplos dessa linha bem-humorada de protestos.

Assim, na manifestação do dia 5 de maio na Praça Afonso Arinos, a falta de pessoas (para onde foram aquelas 300 da Praça Sete?) foi compensada pela produção alegre e coletiva de cartazes e faixas, pela performance original de mascarados com a cara dos deputados do PMDB – que na nossa manifestação virou Partido da Motosserra do Brasil – munidos de serras elétricas e pela disposição de subir em passeata pela Avenida João Pinheiro até a Praça da Liberdade. Foi um encontro bonito!

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Embora de forma tímida, e para surpresa geral, a imprensa local cobriu os nossos protestos. Sentimos que havia uma simpatia e alguma abertura por parte dos jornalistas da imprensa mineira para divulgar o movimento e as nossas manifestações.

Uma ótima oportunidade surgiu na semana seguinte: a Presidente Dilma viria a Betim (região metropolitana de Belo Horizonte) para inaugurar uma creche e entregar 1.160 apartamentos do ‘Minha Casa, Minha Vida’. Sexta-feira, 14h, não é um horário em que muita gente pode estar disponível para um protesto. Mas Eduardo, Raul e Gabriel estavam! Lá foram eles com uma grande faixa, máscaras e muita expectativa para a chance de poder dizer diretamente para a Dilma: “Veta Tudo, Dilma!” ou “Dilma pode vetar, o Brasil vai te apoiar!”

Lá se encontraram com alguns ativistas de grupos ambientalistas de BH, um grupo de estudantes de Biologia da PUC- Betim e outros manifestantes, que formaram um grupo animado e barulhento de quase 90 pessoas. O resultado dessa manifestação, amplamente registrado e divulgado na imprensa nacional, foi a reação simpática da presidente Dilma Roussef que, quebrando o protocolo, foi até os manifestantes para cumprimentá-los! Para Eduardo Ferreira, esse foi o ponto alto do nosso movimento.

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Eduardo Ferreira, na manifestação em BH

Eduardo Ferreira: Tivemos a chance de, mais uma vez, convocar as pessoas de BH para mostrar nas ruas a sua indignação. Dessa experiência do VETA, DILMA! podemos tirar impressões que são para se admirar e para se indagar. Achei incrível como, sem nenhuma articulação formal, institucional, prévia, em duas ocasiões, em menos de uma semana, centenas de pessoas se reuniram com muita alegria e disposição para demonstrar sua opinião sobre o Código Florestal, materializando nas ruas (que continuam sendo o lugar primordial de manifestação popular) o que estava bombando no meio virtual. Podemos indagar, principalmente, por que não apareceram, com raras exceções, todas as entidades que poderiam ter colaborado para fomentar ou articular o movimento. Obviamente, não se trata de querer que ‘organizem nosso carnaval’, mas não posso concordar que uma luta tão importante e óbvia como o veto ao Código Florestal tenha sido relegada como foi pelas ONGs, pelos partidos políticos e pelas escolas das áreas biológica, social e ambiental. Aí, é aquela história: se não tem tu, vai tu mesmo. Viva o voluntarismo! E foi ele que nos proporcionou, talvez, o melhor momento da nossa campanha quando fomos a Betim encontrar a Dilma e, com o auxílio luxuoso dos estudantes de biologia da PUC daquela cidade, fizemos um barulho muito simpático que levou a própria presidenta a descer do carro e a nos cumprimentar. Esse momento foi registrado e relatado em veículos digitais e impressos como a Folha de São Paulo, o jornal Valor Econômico, O Globo, e teve grande repercussão no restante da mídia nacional justamente pelo simbolismo do ato. Faltavam ainda duas semanas para terminar o prazo – 25 de maio – dado à Presidente Dilma para vetar ou não o novo código. O que mais a gente poderia inventar e poderia fazer?

De repente… um funk!

Seguindo a trilha original do bom humor que é sempre eficaz para criar um fato novo e, com ele, promover a identificação, a reação, a mobilização e a adesão da sociedade a uma boa causa, Everton, Gabriel e Raul resolveram criar um funk e gravar um clipe para ser veiculado nas redes sociais.

Fizeram mais do que isso: acertaram na escolha da linguagem discursiva do funk, criaram um conteúdo consistente e gravaram, em apenas três dias, um vídeo divertido que foi sucesso de crítica e de compartilhamento nas redes. A senadora Marina Silva, que no vídeo é representada em um diálogo divertido com a presidente Dilma, gostou e comentou em seu blog. A imprensa nacional repercutiu e muita gente se divertiu com a criação do Mc Cerrado: Veta firme, veta tudo!

Ficha técnica do funk VETA FIRME, VETA TUDO! com o “Mc Cerrado”

Composição: Everton Rodrigues, Gabriel da Luz e Raul Lansky
Cantam: Gabriel, Luciana, Raul
Dançam: Gabriel da Luz, Juliana Valadares, Luisa Morais, Nina Aragón, Raul Lansky, Samuel Sudré e Zilca.
Edição de som: Gustavito
Edição de vídeo: Gabriel da Luz e Nina Aragón
Gravação: Estúdio Casa Azul
Agradecimentos: Du e Luciana França
#VetaDilma

Depois do encontro com a Dilma em Betim e do lançamento bem sucedido do funk, uma última manifestação foi articulada pelo grupo e realizada no dia 19 de maio, na Praça da Savassi – zona sul da capital mineira – um sábado de sol. Naquele sábado o movimento era grande e, embora não houvesse um grande número de manifestantes, foi possível panfletar e conversar com muitas pessoas que, até aquele dia, nem sabiam que havia um Código Florestal e que estávamos ali para dizer que era preciso pensar no assunto, assinar a petição e acompanhar aquela história que dizia respeito a todo mundo. No dia 25 de maio o governo divulgou a sua posição em relação à versão do Código Florestal aprovado pela Câmara dos Deputados: para os 84 artigos que compõem o “novo” Código Florestal foram feitos 12 vetos e 32 alterações, distribuídas em 14 alterações que recuperam o texto do Senado, 5 dispositivos novos e 13 adequações de conteúdo.

Manifestação em BH, no dia 19/05/2012
Manifestação em BH, no dia 19/05/2012

Então, diante desse resultado, como vocês avaliam os vetos e as alterações propostas?

Lúcia Formoso: Eu acreditava que a causa do meio ambiente tinha mais “pega”, mais importância para as pessoas. Mas a verdade é que a questão do Código Florestal estava muito distante da realidade da maioria das pessoas e, também, não houve tempo suficiente para explicar, traduzir e digerir o seu significado e a importância para o Brasil das suas conseqüências. A questão que deveria ser colocada é sobre qual é o nosso projeto de futuro? Não se trata apenas da natureza, mas da construção de um mundo melhor, mesmo que seja em um mundo capitalista, que tenha harmonia e mais igualdade. Quanto ao Código Florestal, esse resultado oferecido pelo governo significa uma batalha perdida. Numa visão mais positiva poderia dizer que o conjunto dos vetos foi resultante de uma estratégia política e, para mim, esse jogo ainda não acabou.

Raul Lansky: Mesmo achando que foi uma manifestação esquisita, de última hora, para pedir o veto para uma questão tão importante; mesmo sabendo que o que estava acontecendo era um jogo político de negociar o “péssimo” pelo “muito ruim”, ainda assim a gente sabia que era importante ir para a rua. Só assinar a petição pública, que acabou conseguindo mais de 2 milhões de assinaturas, não era suficiente. Era preciso criar outras provocações, tanto na rua quanto nas redes sociais. Fomos pra rua, criamos e publicamos o funk “Veta firme, veta tudo”, fizemos o que dava para fazer naquele momento. A ideia era conseguir ampliar o diálogo e mobilizar mais pessoas em todos os lugares. Conseguimos ter repercussão. Mas agora, depois do anúncio dos vetos, tem o segundo tempo dessa história.
Ainda não tive tempo para ler todas as críticas sobre os vetos ao novo código. Pelo o que vi, parece que foi bem mais ou menos. O fato de o “Estrago de Minas” (o jornal) ter ficado super contente com o resultado, e o Deputado Paulo Piau, também, já faz a gente desconfiar… Parece que tiveram alguns vetos interessantes, mas uns bem esquisitos como, por exemplo, o de poder reflorestar com espécies exóticas (eucaliiiiiptos?!). Devemos agora, principalmente, ficar de olho no cumprimento dos pontos positivos do Código Florestal e no processo das alterações que vierem com os vetos e as medidas provisórias. O movimento VETA não acaba aqui, ele muda.

Gabriel da Luz: Sobre os vetos, é difícil conseguir vislumbrar um resultado, mas tenho lido artigos que mostram que depois de passar pelas mãos da Dilma e da sua equipe de ministros o quadro não ficou muito bom. Primeiro porque parece que a anistia não caiu, como foi dito. Caiu a tal “ampla anistia”, mas se deu anistia pra uma série de casos. O assessor de políticas públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), André Lima, afirmou que a anistia de multas e de recomposição de áreas desmatadas está prevista em vários pontos do texto enviado pela presidenta Dilma Rousseff. Também segundo ele, agora se pode recuperar uma APP com espécies exóticas e utilizadas para o comércio, como dendê e café, o que parece desequilibrado com a ideia de recuperação de um ecossistema! Por último, eu citaria o tal do artigo 43, que exigiria do setor energético um direcionamento de 1% da sua receita pra proteção de florestas onde estão seus investimentos. O executivo vetou esse artigo, que parecia no mínimo razoável, afirmando que ele “contraria o interesse público, uma vez que ocasionaria um enorme custo adicional às atividades de abastecimento de água e geração de energia elétrica no país” (clique para ver a notícia).
Concluindo, parece que a equação teve um resultado negativo para o interesse público. Foi uma vitória da bancada ruralista e do agronegócio, que devem estar bastantes satisfeitos e preparados pra “mandar ver”.

Eduardo Aguiar Ferreira: Se fiquei satisfeito com o veto presidencial, mesmo que parcial? Minha resposta é sim. Dentro do atual quadro político foi um avanço. Isto é, não foi fácil enfrentar, como fizemos aqui, na terceira capital do País, a maior bancada não formal do Congresso apenas com uma moçada mobilizada por redes sociais e fazendo vaquinha pra comprar material… Mas para querermos mais, temos que fazer mais.

Na verdade, agora é que devemos nos articular ainda mais para acompanhar de perto os novos lances dessa questão. No último dia 5 de junho – Dia Mundial do Meio Ambiente – a MP anunciada no dia 25 de maio, com os vetos e alterações encaminhados pela Presidente Dilma, já havia recebido, segundo divulgou a imprensa, mais de 400 propostas de alterações ao seu texto! Considerando que a matéria, logo que retornou à Câmara dos Deputados, já foi totalmente por eles alterada e, pior, que o novo relator nomeado para a comissão especial mista que vai analisar a viabilidade constitucional, jurídica e admissional da matéria, o Senador Luiz Henrique da Silveira, também é do PMDB… precisamos ficar de olhos abertos, de antenas ligadas e com as redes sociais em alerta!

“Código Florestal: passado o ‘telequete’, vamos à luta!” (Senadora Marina Silva)

Eduardo Aguiar Ferreira é Economista, ativista, inconformado e fiel torcedor do Clube Atlético Mineiro.
Gabriel da Luz é graduando em História. Toca piano, gosta da música e da literatura brasileiras e, para agradar aos avós, torce pelo Galo e pelo Flamengo.
Lucia Formoso é Pedagoga, Mestre em Ciências Sociais e pesquisadora. Ativista social e política “desde criancinha”, é torcedora do Cruzeiro Esporte Clube.
Raul Lansky é estudante de Administração Pública na Fundação João Pinheiro. Gosta de teatro, cinema, circo e já nasceu atleticano.
Élida Murta é jornalista e ativista socioambiental, escreveu esta matéria e é atleticana.


Fevereiro, 2012

Bate na Lata

nalata

Especial de Carnaval!

Entrevista com Cristina Araújo
Tema: Um carnaval de ideias: máscaras sustentáveis

Tudo é carnaval!

Cristina Araújo é designer de joias, artista plástica e vem realizando uma pesquisa de criação de adereços e acessórios com reutilização e reciclagem de resíduos.

Cristina Araújo
Cristina Araújo

Além da criação de joias e acessórios com diversos tipos de materiais, ela tem um interesse especial – pois envolve sua história familiar e seu trabalho com arte e design – pela criação de fantasias e de adereços para o Carnaval.

O Carnaval está no sangue: o avô paterno é pernambucano e a sua mãe nasceu em Diamantina (MG). Desde muito cedo se envolveu com os blocos do animado Carnaval de Diamantina. Inventava suas fantasias e criava adereços originais e divertidos para os amigos e os blocos e, depois, para as escolas de samba que iam se formando na cidade. Para criar as próprias fantasias, buscava em casa todo o material reaproveitável disponível e transformava tudo em novas peças que se multiplicavam em originalidade e causavam reações positivas por onde os blocos passassem.

O seu olhar para os materiais caseiros – que poderiam ser reaproveitados – evoluiu para um olhar mais atento para o aproveitamento de outros materiais e resíduos no seu processo de criação profissional. “Quando você começa a ter um novo olhar para os resíduos, você começa a ver possibilidades em tudo!”, afirma Cristina.

Há uns seis anos ela se encantou com uma corrente feita com lacres de latinhas de refrigerante e começou a criar uma linha de peças com este material: correntes, colares, pulseiras e outros objetos. A partir daí, teve início um trabalho de pesquisa que vem explorando materiais descartados diversos: plásticos, peças de computador, fios, arames, garrafas pet, tampinhas de plástico, tampinhas de cerveja e, mais recentemente, câmaras de pneu de bicicleta! Segundo a artista, as câmaras de pneus são resíduos desprezados até nos lixões! Com esse material, Cristina vem criando uma linha original e delicada de bolsas, colares, flores, adereços para a cabeça, entre outros.

“Com a minha experiência como artista e designer, eu posso contribuir para apresentar e propor novos usos e novas formas para qualquer tipo de material. Eu posso ser – e gosto de ser – uma multiplicadora de ideias sustentáveis.”

Cristina Araújo ressalta a importância – e o reflexo em seu processo criativo – que eventos e encontros como o Lixo & Cidadania têm na aproximação com outros artistas e com ativistas do reaproveitamento de resíduos e da reciclagem do lixo, dos quais vem participando ativamente. São pessoas do Brasil e do mundo inteiro preocupadas com o destino do planeta e com o desenvolvimento coletivo de uma nova consciência e de uma nova atitude em relação ao desperdício e ao descarte excessivo de resíduos na natureza. Cita, especialmente, o trabalho que vem sendo realizado, em Belo Horizonte, pelo artista Leo Piló e pela ASMARE. Nesses encontros, o que prevalece é o interesse pela troca de ideias e experiências. Todos estão interessados em compartilhar, em multiplicar as boas práticas e as melhores soluções que venham beneficiar um maior número de pessoas. Assim, Cristina também não se importa em repassar suas descobertas e suas experiências de criação. Para ela, “quanto mais gente olhando e trabalhando com a transformação criativa dos resíduos, menos lixo na rua!”.

E o carnaval, Cristina Araújo?

“Ah! O Carnaval é o momento ideal para colocar em prática a nossa alegria e exercitar a nossa liberdade de criar. O carnaval é o cenário perfeito para manifestações bem humoradas, sejam elas políticas, sociais, culturais ou ambientais. A ideia principal é sempre usar a fantasia e os adereços para sensibilizar as pessoas, para mudar o olhar das pessoas com a minha atitude”.

No ano passado, Cristina criou e usou uma fantasia toda produzida com disquetes de computador (lembram dos disquetes?). Ficou incrível!

Cristina Araújo e o artista Leo Piló no Carnaval de 2011.
Cristina Araújo e o artista Leo Piló no Carnaval de 2011.

E para este carnaval?

Para 2012, Cristina produziu um vestido todo de babados de plásticos variados, recolhidos do descarte da sua própria casa, do seu prédio e da sua rua. Para completar, criou uma máscara utilizando uma embalagem de detergente multiuso. Veja o resultado:

Cristina e amigos no Bloco Trema na Linguiça, em 2012.
Cristina e amigos no Bloco Trema na Linguiça, em 2012.

E já que a artista gosta de repassar suas ideias e criações, Cristina vai nos ensinar a fazer uma máscara incrível para este Carnaval.

Máscara de carnaval feita com embalagem de detergente multiuso

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Material necessário:

– Embalagens de detergente (rosa, verde, azul, branca…), bem lavadas.
– Um pedaço de elástico;
– Duas tesouras de bom corte: uma grande e um tesourinha de ponta curva;
– Um estilete;
– Uma caneta marcadora (de cor escura).
– Uma folha de papel

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Passo a passo

1 – Use o estilete para cortar o fundo da embalagem e para abri-la ao meio.

passo-1

2 – Abra a embalagem forçando um pouco – ela é maleável – na parte de baixo para começar a dar forma à parte do “nariz”. A máscara será feita na parte interna (sem a identidade do produto).

passo-2

3 – Use a folha de papel – que servirá de molde – para ajudá-lo a marcar o lugar exato dos olhos, que deverão ficar bem alinhados. Coloque o papel sobre o seu próprio rosto e marque o lugar dos olhos com a caneta. Dobre a folha ao meio. Desenhe, de um lado, no ponto marcado, a abertura do olho do tamanho que você quiser. Abra a folha. Recorte o formato com a tesourinha. Dobre a folha novamente e siga o desenho do olho recortado. Assim você terá os olhos alinhados, no lugar certo.

passo-3

4 – Use o molde de papel para desenhar os olhos na sua máscara. Fure e recorte o desenho dos olhos com a tesourinha. Está pronta a base da sua máscara!

passo-4

5 – Agora, olhe para a sua máscara e use a imaginação para criar o seu personagem: um bicho, um diabinho, um herói? Dependendo da sua escolha, use mais uma vez o molde de papel para ajudá-lo a fazer o contorno caprichado da máscara. Experimente no seu rosto e faça as adaptações necessárias para que ela fique confortável e sem arestas.

passo-5

6 – Coloque a máscara na sua cara e avalie os furos dos olhos. Acerte as bordas dos olhos e do contorno de toda a máscara e, se quiser, faça também furos na altura do seu nariz.

passo-6

7 – Agora, os adereços: na máscara da Cristina ela escolheu fazer folhas com pedaços coloridos de outras embalagens. Ela recortou as folhas, cortou tiras finas, furou, amarrou e “costurou” as folhas na máscara. Fez “bigodes” também. Não usou nenhum outro material além das embalagens. Mas você pode usar! Busque, na sua casa, na caixa de costura, outros elementos que possam ser aproveitados para compor a sua máscara. Vale usar cola, linha, agulha, lantejoulas, cordinhas… o que você quiser! Mas vale pensar sempre no reaproveitamento, tá?

passo-7

8 – Para finalizar: faça furos laterais (marcando, com a máscara na cara, pontos na altura das suas orelhas), meça o elástico, arremate cada ponta com nós reforçados para evitar que se soltem quando você estiver brincando o Carnaval.

passo-8

Vamos lá, agora é a sua vez!

Crie a sua própria máscara e caia na folia com um adereço a mais: a sua consciência ambiental traduzida em uma atitude que provoca o riso e contagia positivamente as outras pessoas!

Ah! E mande uma foto com a sua máscara para o nosso blog. Todo mundo quer ver a sua criação incrível!

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Tereza Cristina Andrade Araujo (Cris GÖTZ)
Nasceu em Natal(RN) e vive em Belo Horizonte. Graduada em Desenho Industrial pela Fundação Universidade Mineira de Arte (UEMG), sua experiência profissional abrange as áreas de moda, joalheria e recuperação de resíduos. Desde 1992 é proprietária da marca GÖTZ Joias e Objetos.
Contato: gotzcris@hotmail.com

Entrevista e fotos do passo a passo realizados por Élida Murta em 15/02/2012


Novembro, 2011

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Nem lixo, nem sucata: todo material é matéria-prima para a arte.

O nosso mundo contemporâneo vive hoje uma realidade que, a cada minuto, nos pede soluções urgentes que, marcadas pela ética, pelo respeito ao outro e ao planeta, possam apontar novos caminhos que nos conduzam a uma vida mais equilibrada, pacífica, sustentável e, consequentemente, mais bonita e feliz. Dentre as posturas socioambientais que vêm ganhando importância e mais adesão na direção de uma vida melhor para todos, está a reutilização de materiais. Companheira de outros importantes R’s (repensar, reaproveitar, reciclar e recusar), a reutilização de materiais vem demonstrando que as suas mais variadas possibilidades ainda podem ser melhor aproveitadas e incorporadas como boa prática coletiva e como atitude individual. A nossa entrevista de novembro buscou uma vertente da reutilização que aponta para um caminho tão promissor quanto transformador: o campo das artes. Afinal, a arte é o canal ideal para a expressão da beleza, da sensibilidade, da harmonia e da transformação de realidades.

Vamos conhecer um pouco da história de vida da artista e arte-educadora Lucia Kubitscheck. Desde 1997, quando frequentou o Center for Book Arts, de Nova York (EUA), ela vem descobrindo novos caminhos e novos materiais para expressar suas idéias originais, seu talento e seu compromisso em favor do meio ambiente.

Lúcia
Lúcia, no Departamento Socioambiental da Vina, com sua obra: Open House.

Para quem nunca havia pensado em ser artista e que, já formada em Economia, viveu no Brasil, na Nicarágua, em Portugal, na Holanda e na Alemanha, trabalhando com planejamento e reforma agrária, a sua opção pela arte é surpreendente. Depois de viver em tantos lugares, porque você foi para Nova York e como foi que descobriu a book art?

Lúcia Kubitscheck: Realmente, eu nunca havia pensado em ser artista. Mas quando decidi ir para Nova York eu já estava vivendo um processo de transformação pessoal. Queria, de fato, mudar minha vida. Comecei criando álbuns para fotos com papel reciclado, pré-papel feito com cascas de árvores e palha de coqueiro, e decorados com folhas e flores, que eu coletava no Prospect Park. Era uma produção bem artesanal, com uma estética rústica, vendida por mim para amigos e para algumas lojas de objetos e cheguei, inclusive, a vender designs para uma revista feminina. Por indicação de uma amiga, cheguei ao Center for Book Arts (Centro de Artes do Livro), em 1997, e lá pude conhecer de perto as possibilidades estéticas do livro como objeto de arte. Frequentei oficinas e desenvolvi a utilização de diversas técnicas tradicionais e contemporâneas ligadas à encadernação, à cartonagem, à colagem, entre outras tantas. Me encantei e direcionei o meu trabalho para a exploração da estética do livro contemporâneo: o formato, a variedade de papéis, o livro-objeto e o desenvolvimento de novos objetos a partir daí. Desde então, meu material básico de criação é o papel.

Como você define o seu trabalho atual com a arte?

Lúcia Kubitscheck: Conceitualmente, o meu trabalho pode ser definido como universal. Ele é multicultural e incorpora elementos do feminino, da religiosidade brasileira e da busca constante por uma estética inovadora. Nas minhas criações, além da aplicação de várias técnicas, eu também utilizo suportes diversos – como bolsas, malas e caixas -, que recebem a nova função de acomodar e exibir as obras. As técnicas de cartonagem, encadernação, colagem, assemblagem, pintura, acoplagem, dobraduras de papel, assim com o a combinação de diferentes tipos de materiais, enfatizando colecionáveis, aparas de papel e a reutilização de peças e objetos, são marcas da minha criação.

Desde os álbuns criados em Nova York, a reutilização de materiais está presente no seu trabalho. Como você trabalha a incorporação desse conceito na sua atuação profissional?

Lúcia Kubitscheck: A reutilização está presente tanto em meu trabalho artístico quanto no meu trabalho social. Diante da proposta ampla dos cinco R’s, eu escolhi a reutilização como foco porque o descarte de materiais com possibilidades incríveis de reutilização – que é diferente da reciclagem – é imenso. Meu olhar para esses materiais é, hoje, o olhar de uma artista consciente do valor que eles têm. E justamente por isso, eu não aceito que eles sejam simplesmente jogados fora. Além dos objetos de arte, eu desenvolvo projetos originais na produção de cartonagem própria para escritórios – pastas, papeleiras, porta-papel, porta-lápis, porta-cartões, marcadores de livros – e vários tipos de álbuns.

Obra: "My Love is For You"
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Obra: “My Love is For You”

Você também é arte-educadora e vem desenvolvendo trabalhos com grupos e instituições nas quais a reutilização de materiais e a recuperação de técnicas gráficas tradicionais são o ponto de partida para a criação coletiva de projetos artísticos, culturais e socioambientais. Como tem sido o seu trabalho com a arte-educação?

Lúcia Kubitscheck: Depois que eu voltei para o Brasil, e para Belo Horizonte, minha cidade, eu senti a necessidade de aprimorar os meus conhecimentos para consolidar o meu trabalho e ampliar a minha atuação social. Fiz uma pós-graduação em Arte e Educação, na UEMG, sempre com o foco no meu processo de criação. A partir daí, participei e ministrei inúmeras oficinas de artes gráficas e de encadernação. No período de 2008 a 2010, trabalhei com a ONG Memória Gráfica – Typographia, Escola de Gravura, instituição voltada para a formação artística e gráfica de adolescentes entre 14 e 21 anos em situação de risco social e em conflito com a lei, sediada no Bairro Horto, em Belo Horizonte (MG). Lá desenvolvi projetos gráficos e fui coordenadora da equipe de professores na proposta interdisciplinar do projeto da Memória Gráfica: gravura, alfabetização visual, construção de textos e tipografia. Hoje, a Memória Gráfica está instalada também no Centro Cultural da UFMG, onde mantém o projeto Museu Vivo que, além de expor as antigas máquinas tipográficas recuperadas e abrigar artistas gráficos, continua a oferecer oficinas e cursos voltados para as artes gráficas (encadernação, encadernação antiga, marmorização, tipografia, entre outros). Nessas novas instalações eu já ministrei a oficina Estruturas Contemporâneas de Encadernação, que deve ser oferecida novamente no primeiro semestre de 2012.

Saiu recentemente na mídia que coleta seletiva de Belo Horizonte só atende a 14% da população e que, atualmente, só consegue recuperar 2,65% do total anual de 284 mil toneladas de materiais recicláveis disponíveis. Como é que você se sente em relação a essa realidade?

Lúcia Kubitscheck: Eu me sinto totalmente impotente diante dessa situação absurda. Primeiro, isso é uma questão política séria. Mesmo com algumas iniciativas acanhadas da SLU e a atuação corajosa de cooperativas e associações de catadores, não existe uma campanha pública efetiva que trabalhe as questões do desperdício, da poluição do ar e das águas. Não sei se você se lembra, pois foi há muito tempo, mas a do “Sugismundo” foi a última campanha pública de fato em favor da limpeza urbana. A Prefeitura de Belo Horizonte não está fazendo a parte dela: a coleta seletiva é irrisória, não existem espaços adequados e suficientes para a coleta e devida separação dos materiais recicláveis. Além do descaso com uma questão séria e urgente, a postura da PBH é pouco inteligente. Acham mais simples (e mais barato…) esgotar a capacidade de um aterro sanitário, com sérias consequências ambientais, do que investir em programas educativos e em infraestrutura para a coleta e a separação de recicláveis em parceria com as associações e cooperativas existentes. Na verdade, eu acredito que solução está na atitude individual em direção ao coletivo. O processo tem que ser de construção de uma consciência comunitária, cada um fazendo a sua parte e exigindo que o poder público faça a parte dele.

Material de divulgação do Departamento Sociomabiental produzidos pela Lúcia, em 2010.
Material de divulgação do Departamento Sociomabiental produzidos pela Lúcia, em 2010.

E como foi o seu encontro com o projeto socioambiental da Vina?

Lúcia Kubitscheck: O primeiro contato com o projeto da Vina partiu de um convite que me foi feito pela Cláudia, coordenadora do Departamento Socioambiental, para criar um objeto de arte para integrar o acervo da sua sala especial – toda montada com mobiliário e utilitários criados a partir do reaproveitamento de materiais. Criei um objeto de arte muito curioso, que chamei de “Open house” e que representa simbolicamente um centro cultural. Depois disso, o Departamento Socioambiental lançou, no final de 2010, a campanha “Desembrulhe com carinho” que convidava as pessoas a desembrulhar os presentes de Natal com cuidado e a separar as embalagens para a Vina. As embalagens (incluindo fitas, cordinhas, sacos, sacolas) seriam recolhidas, separadas, selecionadas e transformadas em objetos utilitários para os escritórios e em brindes para as ações institucionais da empresa. Novamente fui convidada a desenvolver um projeto para a Vina e, dessa vez, com o material coletado na campanha. Trabalhando o design gráfico com o conceito socioambiental, eliminando logomarcas, selecionando palavras positivas e combinando materiais, desenvolvi porta-cartões, marcadores de livros e capas para documentos e relatórios do Depto. Socioambiental. Além disso, com esses materiais, desenvolvi também uma linha de utilitários de escritório para a sala da Profa. Tereza Aguilar, na Escola de Engenharia da UFMG. A campanha foi rica no seu propósito educativo e reforçou a atitude de responsabilidade socioambiental da Vina. Tanto que a campanha “Desembrulhe com carinho” será repetida este ano.
E tem mais: estou coordenando, agora em novembro, a oficina de produção do brinde 2011 da Vina – um jogo de Tangram – que será oferecido aos clientes e amigos da empresa. Seguindo uma tradição do Depto. Socioambiental de trabalhar sempre com inclusão e com o reaproveitamento de materiais, a oficina está sendo realizada com integrantes do Clube de Mães Harmonia, ligado ao Lions Clube Santa Tereza. Estamos produzindo as embalagens (criadas por mim) com retalhos de banners, recortes de bandejinhas de isopor e papelão pintado. Além da produção do brinde, estamos trabalhando conceitos estéticos e o desenvolvimento criativo de um produto, desde a concepção, a montagem, até a avaliação dos custos de produção. O resultado tem sido surpreendente.

Como já estamos, por incrível que pareça, no final do ano, você pode nos contar sobre os seus planos para 2012?

Lúcia Kubitscheck: Meus planos para o novo ano incluem um maior investimento no meu trabalho com arte-educação, com a criação e a realização de novas oficinas e, especialmente, vou me dedicar a preparar uma nova exposição. Não sei ainda o local, mas posso adiantar que a base desse novo trabalho serão gavetas de tipografia, que encontrei já em processo de decomposição. Elas serão recuperadas e serão o suporte para uma coleção de miniaturas criadas com papéis e materiais muito especiais. Não quero deixar de mencionar também que estou trabalhando na criação de uma linha exclusiva de utilitários para cafeteria.
Aproveito a entrevista para desejar que todos desembrulhem com carinho os presentes de Natal e que façam, para 2012, um bom propósito: reaproveitar muito e, assim, diminuir o lixo na cidade, no País e no planeta.

Lúcia Kubitschek e algumas integrantes do Clube de Mães Harmonia.
Lúcia Kubitschek e algumas integrantes do Clube de Mães Harmonia.

Lúcia Kubitschek é artista, arte-educadora, vive atualmente em Belo Horizonte (MG) e, além de ministrar oficinas particulares e coletivas de artes gráficas, tem dedicado parte do seu tempo a aprender técnicas de pintura.

Entrevista realizada em 22.11.2011 por Élida Murta.


Outubro, 2011

Toda criança tem o poder para reinaugurar e transformar o mundo

Toda criança é uma esperança de renovação do futuro. Pensamos em nossos filhos e, diante da forma como estamos tratando o planeta hoje, é inevitável que pensemos em como será o futuro que eles terão para, já adultos, oferecerem também aos seus filhos.

A degradação do planeta, visível e já sentida nas alterações climáticas e nos desastres naturais que estamos vivenciando, é conseqüência da ação destruidora do homem. Nossos avanços tecnológicos precisam, mais do que nunca, considerar as necessidades do equilíbrio ambiental e colaborar para encontrar soluções urgentes que promovam e garantam, daqui pra frente, a sustentabilidade do planeta e o bem estar geral.

Para Adelsin – educador, aprendiz de crianças, brincante, reciclador de brinquedos e de idéias em favor da criança e da natureza – “Esse quadro reflete a ruptura do ser humano com os movimentos da natureza. A consequência dessa atitude é o quadro preocupante da saúde planetária. O aquecimento global é o indicador mais claro e triste do “esfriamento humano”. Mas, para a nossa sorte, as crianças e algumas pessoas espalhadas pelos “grandes sertões” não perderam o seu movimento natural e nem a sua força criadora”.

Observador permanente, Adelsin tem no universo das crianças o seu foco principal de pesquisa e de atuação. Autor de várias publicações voltadas para o educador e o aluno – como a série “Cuidar bem”, desenvolvida para a Fundação Nestlé e posteriormente publicada pela Editora Peirópolis – ele se dedica, atualmente, a um projeto de educação ambiental voltado para as populações ribeirinhas de quatro localidades, situadas na região do Baixo Tocantins e na Ilha de Marajó, no estado do Pará.

Para encerrar o mês de outubro, em que este blog procurou homenagear as crianças e os professores, vamos conversar com o Adelsin e saber o que ele pensa, a partir da própria experiência, sobre a importante relação entre criança, meio ambiente e a nossa esperança por um futuro sempre melhor.

Adelsin
Adelsin

As crianças são o nosso futuro e a nossa esperança. Quais são, pra você, as possibilidades de mudança no mundo atual?

Adelsin: Vivemos um momento delicado na história da humanidade. Hoje sabemos que se não forem revistas algumas práticas a nossa continuidade no planeta estará seriamente ameaçada. Por isso, nos mais diferentes lugares da terra, pessoas sensíveis à necessidade de buscar formas de uma convivência harmoniosa com a natureza têm inaugurado novas possibilidades que poderão nos ajudar a seguir adiante. Essas novas possibilidades apontam para práticas sustentáveis em áreas distintas como agricultura, arquitetura, saúde, energia e educação. Essas mudanças de atitude buscam um retorno a uma consciência de unidade planetária. Elas se inspiram em experiências ancestrais desenvolvidas durante milhares de anos de interação natural com o ambiente. Eu acredito que ainda está em tempo de construirmos uma sociedade sustentável, mas ela só acontecerá quando formos capazes de, ao mesmo tempo, respeitar os saberes positivos do passado e decifrar as mensagens do mundo novo reveladas pelas crianças.

Mas o desenvolvimento tecnológico não poderia também contribuir para criar novos comportamentos em favor do nosso meio ambiente?

Adelsin: Como parte do movimento universal, cada ser vivo tem uma natureza de movimentos que precisa ser cumprida para que o seu processo evolutivo tenha continuidade. O ser humano, ao contrário de outras espécies, desenvolveu mecanismos de sobrevivência e de progresso tecnológico tão surpreendentes que criou uma ilusão coletiva de evolução acelerada. Mas, no entanto, o avanço tecnológico não foi desenvolvido em sintonia com os movimentos naturais planetários e, tão pouco, com o devido respeito à mãe Terra. As consequências do desrespeito ao meio ambiente já começam a ser sentidas em todos os continentes através de alterações climáticas, contaminação do solo e das águas e, principalmente, pela desarmonia entre os seres humanos.
A nossa esperança é que a capacidade criadora do ser humano é surpreendente. Quando a ciência estiver realmente a serviço da vida certamente teremos a tecnologia adequada à evolução harmoniosa da humanidade.

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Como você vê a infância no contexto atual das grandes cidades?

Adelsin: Eu fico muito preocupado com a imobilidade da infância urbana e os prejuízos que uma vida sem movimento e sem contato com a natureza pode trazer para o ser humano em crescimento. É muito difícil para uma criança desenvolver um sentimento de amor pelo meio ambiente quando o ambiente em que ele vive é árido e contido. É muito difícil vislumbrar um desenvolvimento saudável de relações sociais construídas somente em redes virtuais. É preocupante, também, a construção dos conceitos de respeito e de liberdade numa sociedade de consumo exacerbado, de desigualdades sociais, com grades, cercas elétricas, condomínios fechados e medo. A minha esperança está justamente no fato de que as crianças são surpreendentes e ainda florescem apesar das adversidades. As crianças urbanas brincam nas brechinhas que encontram nas escadas dos prédios, na saída das escolas, embaixo das mesas, nos parques e em alguns projetos socioambientais que se tornaram os novos quintais urbanos.

Qual a relação entre a infância e a formação de uma consciência de preservação ambiental?

Adelsin: Acredito que cada criança que nasce é um passo adiante na evolução da espécie humana. O ser humano criança traz em sua herança genética não somente as características físicas de seus ancestrais, mas toda a experiência acumulada em milhares de anos de convivência com a natureza. Essa experiência evolutiva é manifestada naturalmente nos movimentos da infância, nos brinquedos e brincadeiras que as crianças querem e precisam brincar. Por esse motivo, existe uma cultura universal das crianças com gestos que se repetem, desde o começo dos tempos, em qualquer local do planeta. Quando existe tempo, liberdade e ambiente propício, a cultura das crianças se enriquece e aponta para o futuro. A convivência com os ambientes naturais na infância será de grande importância para o reconhecimento e o desenvolvimento de uma relação íntima com a natureza. Na infância, a criança ainda não tem muito clara a dimensão do futuro, mas a convivência com a natureza irá favorecer o desenvolvimento de uma consciência natural de cuidado com o meio ambiente que a acompanhará nas etapas posteriores da vida. Cabe a nós, adultos, ajudá-las a desenvolver um sentimento de carinho com o ambiente e reaprender, com elas, o caminho da evolução.

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Quais seriam as transformações necessárias para que as crianças pudessem ter respeitado o seu direito à infância na sociedade contemporânea?

Adelsin: É preciso primeiro que haja um reconhecimento amplo das necessidades da infância que vão muito além das já previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Para que essas mudanças acontecessem de fato seria preciso que houvesse transformações sensíveis na realidade social, política e cultural do País. Seria necessário um novo olhar para a arquitetura das escolas e das moradias. Não deveria ser mais aceitável imaginar casas sem quintal, escolas sem áreas verdes e espaço/tempo para a livre convivência das crianças e dos jovens. Seria necessária também uma atenção maior para com a programação das TVs e com a publicidade voltada para as crianças.
Enquanto isso não é realidade, cada pai ou mãe, ou tio ou avó, pode dar um presente inesquecível para as crianças de sua família. Um passeio no parque, na praça ou na roça; uma história fantástica, acontecida ou inventada; um brinquedo construído como no seu tempo de criança. Esse encontro entre gerações diferentes de meninos e meninas pode ser o início de uma grande transformação, que poderá curar o planeta e salvar a humanidade da extinção.

De onde vem a sua crença de que essa transformação é possível?

Adelsin: De anos de convivência com as crianças do Brasil e da observação das dimensões maiores dos movimentos da sua cultura própria. Um olhar atento para o imenso repertório dos brinquedos universais das crianças com suas variantes regionais revela sinais essenciais do que há de mais elevado na experiência humana individual e coletiva. Já fomos todos sabedores desses segredos, mas a nossa (de)formação social, escolar e cultural, acontecida dentro de uma sociedade monetária e competitiva nos fez esquecer de como é bom viver sem pressa e sem “ego-objetivos”. A sorte é que, a cada dia, nasce uma criança nova em alguma família que é brindada com a chance de começar outra vez. Ninguém fica indiferente e nem mesmo convencional diante de uma criança recém nascida. A criança pequena tem o poder de reinaugurar o novo em cada um que se aproxima do berço. E como ela ainda não fala a nossa língua, cada um de nós procura falar a língua universal do ser humano ainda novo e é aí que o novo pode se restabelecer no velho ser. Como já disse, eu acredito que a criança é o último passo da evolução humana e é ela quem pode nos levar adiante.

Ravi e Adelsin
Ravi e Adelsin

Como você tem desenvolvido o seu trabalho no sentido de contribuir para essa transformação?

Adelsin: Desde que conheci a pesquisadora e educadora Lydia Hortélio, nos anos 1980, me vi contagiado pela luta pelo direito das crianças à infância e à convivência com a natureza. Desde então, tenho aprendido e partilhado experiências vividas pelas crianças do Brasil em territórios de convivência em liberdade. Para difundir a imensa riqueza da cultura das crianças e desanuviar o olhar dos adultos, venho realizando encontros para brincar e conversar sobre a infância, nos mais diferentes lugares do País. Esses encontros têm formatos diferentes como: oficinas de brinquedos, cursos de “educação ambiental”, palestras, etc. Para realizar esses encontros, atuo como ‘agente infiltrado’ da infância dentro de ONGs, de secretarias do poder público e de institutos de empresas multinacionais. Tenho produzido, aos poucos, publicações com brinquedos do inesgotável repertório das crianças. Espero que, nos próximos anos, eu tenha mais tempo para me dedicar à produção de materiais que possam sensibilizar um número maior de pessoas e, assim, ajudar os meninos e as meninas do Brasil a viverem a sua infância como ela merece ser vivida. É a minha pequena contribuição para continuarmos no planeta.

Você poderia nos dar boas sugestões de livros, videos e sites sobre os temas da nossa entrevista?

Adelsin: O livro que conheço que trata da natureza do lugar e da natureza humana em integração e profundidade é o “Grande Sertão Veredas” de Guimarães Rosa. São necessárias algumas lidas para se enveredar naquele sertão.
Um vídeo que acho muito especial e que mostra a criança e a natureza de forma sensível é o Capitão Menino, de Renata Meirelles e David Reeks. (projetobira@hotmail.com).
Quanto aos sites, eu gosto de visitar os de tecnologia alternativa e de bioconstrução. Vale a pena conhecer os sítios dos Institutos de Permacultura e Ecovilas do Cerrado – IPEC e da Mata Atlântica – IPEMA.
Mas bom mesmo é aproveitar que está chegando o tempo da jabuticaba e ir visitar o sítio do amigo, da tia ou do avô, junto com as crianças, no próximo final de semana.\

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Adelsin (Adelson Fernandes Murta Filho) é formado em Artes Plásticas pela UFMG e desenvolve pesquisas e oficinas voltadas para o universo da criança desde 1988. Sócio da Nhambu Ação Cultural, é consultor sobre cultura infantil e educação ambiental, e tem desenvolvido e realizado projetos para ONGs, instituições públicas e privadas nessas áreas, em todo o Brasil. Já publicou os livros Barangandão Arco-íris – 36 brinquedos inventados por meninos (Editora Peirópolis) e os livros Guisadinho, Cuidar bem das Águas, Cuidar bem do Ambiente e Cuidar bem das Crianças, desenvolvidos para a Fundação Nestlé Brasil.


Setembro, 2011

nalata

Estamira: mostrar a verdade e capturar a mentira

A sociedade de consumo atual é marcada pelo excesso. O consumo excessivo gera um excesso de lixo e de resíduos que, por sua vez, geram inúmeros problemas que refletem a forma como a humanidade se organiza e se engana. Dentre esses problemas, a desigualdade social – que é profunda em países como o Brasil – expõe uma série de excessos e de condições extremas de vida. Podemos dizer que essa desigualdade cria realidades que colocam seres humanos na condição de “lixo”, no sentido extremo do desrespeito, do descaso e da negação de uma vida digna.

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Marcos Prado, diretor e produtor de documentários importantes, como Ônibus 174 (2002), dirigiu o premiadíssimo filme documentário Estamira. Lançado em 2005,o filme apresenta ao público um pouco dessa realidade desconhecida de quem vive na borda do mundo, em meio ao lixo. Estamira, personagem principal do filme, é uma mulher que foi abusada sexualmente na infância, que foi levada à prostituição na adolescência, que tinha uma mãe que morreu no hospício, que se casou mais de uma vez – e foi traída inúmeras vezes -, que teve filhos e netos, que conheceu a violência em suas várias formas, que tinha amigos calorosos (e até pretendentes!) no aterro sanitário do Jardim Gramacho, que recebia a família nos fins de semana em seu barraco (família esta que lidava de uma maneira interessante com sua loucura, sem rejeitá-la) e que buscava remédios psiquiátricos em um centro de atenção psicossocial (onde estão os “copiadores de receitas semifabricadas”).

Convidamos um especialista em Saúde Mental e doutor em Ciências da Saúde para conversar com a gente e, a partir do documentário Estamira, tratar de questões que afetam o ser humano nos seus direitos básicos de dignidade e de sobrevivência no mundo contemporâneo. Com a palavra, o Dr. Musso Greco.

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Estamira é uma personagem fascinante e uma pessoa com uma história de vida incrível. Como você poderia situar a loucura dela?

Musso Greco – Realmente Estamira é um personagem único! Exaltada e tensa, ela se apresenta como alguém cujo corpo sofre – o que ela atribui ao “controle remoto natural superior” – e que é perseguida pelos “espertos ao contrário”, que controlam o mundo e manipulam a realidade. Em razão disso, ela constrói uma visão de mundo contundente, singular e – por mais que possa parecer estranho, em se tratando de alguém tão enlouquecido – coerente, a ponto de merecer protagonizar um filme. Para os espectadores, as imagens do corpo maltratado e da voz inflamada de Estamira são brutas, ela é uma “estrela” de cinema pouco usual… Parece, como já disse alguém, uma atriz fugida de uma tragédia grega. E seu discurso é feroz, autorreferente, intenso demais. Aos poucos, entretanto, vamos nos inteirando de sua “religião” (uma briga constante com Deus e suas mentiras: “Trocadilo é Deus ao contrário!”), de sua missão no mundo (“mostrar a verdade e capturar a mentira”), e ela deixa de ser tão “estrangeira”, ela se revela mais parecida conosco do que imaginaríamos. Até mesmo as suas crenças, tão bizarras e inverossímeis, começam a parecer legítimas com qualquer sistema filosófico não erudito. Enfim, uma pessoa que, embora se afirme pela singularidade (“eu estou em um outro plano”), e se mantenha nessa terceira margem que é o Gramacho, também pode ser reconhecida como “uma de nós”, pelo lado negativo, ao encarnar emblematicamente a desigualdade social e a crueldade da sua condição.

Em que sentido podemos dizer que a situação de Estamira reflete a desigualdade em nossa sociedade atual: um modo perverso e excludente de organização social? Podemos estabelecer uma comparação e dizer que a grande massa de miseráveis que esta desigualdade produz é colocada na condição de “lixo”?

Musso Greco – Penso que a metáfora do “lixão” no filme serve para confirmar uma vocação perturbadora em Estamira, pois o espectador não sai ileso da viagem cinematográfica. Aquilo que é jogado fora aqui, na nossa casa, retorna do lugar do outro, lá na tela. O lixo, como diz Estamira, “às vezes é só resto, mas, às vezes, também vem descuido”. Assim também são tratadas as mulheres, as mulheres pobres e negras, e, principalmente, as mulheres pobres, negras e loucas (“doente mental é aquele que é imprestável”, diz Estamira). É lá que ela está. No meio, na beira, em todo lugar (“eu sou a beira do mundo, estou em todo lugar”), porque é “abstrata”. Podíamos interpretar essa abstração de que fala Estamira como sua percepção inconsciente do que é ser nada, não ter registro no mundo, não ter concretude simbólica, restar largada na margem extrema do mundo (a miséria, o lixo ou a clausura de um hospício) como um objeto sem valor.

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Há algo na fala delirante de Estamira que possa servir como denúncia social real?

Musso Greco – Não podemos desconhecer que é a radical alteridade de Estamira que faz com que ela não encontre ressonâncias com os outros, que não tenha aliados em sua missão, que não faça laço social a partir de seu delírio. Na sua revolta contra Deus e suas disputas com o misterioso “Trocadilo” (“canalha, traidor, estuprador”), entretanto, ecoam as rusgas metafísicas de filósofos e artistas ilustres, como Nietzsche, por exemplo, para quem “o mesmo homem que criou Deus, colocou-se no lugar dele, ou seja, no lugar do juízo”; ou como Artaud, que blasfema estamiricamente contra “o julgamento de Deus”. Minha compreensão é de que há uma revolta de Estamira contra um mal-entendido fundamental (um trocadilho) no fato de Deus não conhecer verdadeiramente o homem e enganá-lo: podemos ver aí uma espécie de denúncia de uma injustiça básica que ela toma para si, mas que é, pelo que sabemos de sua história de vida, referente a tudo que é descartado no mundo, a começar pelas pessoas “imprestáveis”. O delírio revela-se assim como uma tentativa espontânea de cura, de estabilização, e Estamira apela ao recurso de se produzir como aquilo que faltaria ao universo do discurso para reconstruir a realidade. Estamira está “no centro de tudo”, “além dos além”, “em todo lugar”, e ocupa o posto da “visão de cada um”, tornando-se uma entidade e assumindo uma missão. Não seria isso tudo exatamente uma luta por justiça ou, como ela diz em certa parte do filme, pela “igualdade de todos” ?

As necessidades básicas humanas – tanto as objetivas (alimentação, saúde, moradia, bens materiais, educação, etc.) quanto as de ordem subjetiva (desejo, ações, valores, modo de vida, liberdade, justiça, cultura, etc.) deveriam ser atendidas como direitos universais e inquestionáveis. No entanto, na história da humanidade, isso nunca foi uma realidade. Em que este filme contribui para a conquista dos direitos à cidadania?

Musso Greco – Contardo Caligaris, ao analisar o paradoxo da existência delirante de Estamira, disse que toda crença − ele estava se referindo às nossas crenças “normais” − são delírios que tiveram sucesso e ganharam credibilidade por serem compartilhados pela maioria. O drama de Estamira (e de tantos outros ditos “loucos”) foi ter que inventar, sozinha, os meios de dar sentido à sua presença no mundo. Ela conseguiu essa façanha atribuindo-se o destino de ter de transmitir o que ela vê e revelar isso ao mundo. De certa forma, o diretor Marcos Prado realizou essa missão, ao propiciar a expressão de Estamira em um documentário que rodou o mundo. A metáfora da desigualdade social e da crueldade está ali, para impactar e fazer pensar. Estamira é o retrato da nossa culpa social, de nossos detritos, daquilo que nós queremos esconder no fim de mundo. Em seu transbordamento interior, ela encarna o desespero, e desamarra o espectador de si mesmo, naquilo que tem de confortável e conhecido, deslocando-o para fora de suas referências habituais. Isso instala uma escuta verdadeira, que pode, por pouco que seja, produzir interrogações sobre o que é apresentado. No meio dos restos de uma sociedade cada vez mais voraz, Estamira mostra o avesso das boas intenções e desmascara o que ela chama dos “espertos ao contrário”. O equívoco da ciência, o declínio do político, o engano da religião, o catastrófico das pequenas e grandes violências. Tal qual Marcos Prado, que deu uma casa de presente a Estamira após as filmagens, tenho notícia de certa mobilização após a exibição desse filme, no meio universitário, em ONGs que lutam pelos direitos humanos (principalmente dos portadores de sofrimento psíquico)… Isso pode produzir algum efeito em termos de mudanças políticas.

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Ecologia humana é a ciência que estuda as trocas materiais e energéticas entre o ser humano e o seu ambiente. É o campo do conhecimento sobre o qual se constrói a ideia de sustentabilidade, considerando que a sobrevivência individual e do planeta dependem da construção de uma ética individual para desenvolver uma ética global. Há uma ética própria da loucura? Se há, ela pode influenciar os outros, os que não a entendem? Como fica a visão da loucura depois de ver esse filme?

Musso Greco – Caímos aqui em uma delicada questão política que o filme toca: ao mostrar a aparente ineficácia do seu tratamento na rede pública de Saúde e, embora, pelo que vemos, pareça haver uma rede de apoio (amigos, família) em torno de Estamira, perguntamo-nos sobre a visão social da loucura reforçada ou transformada pelo filme. Sabemos que a medicação e o suporte psicossocial têm mostrado relevância em muitos casos semelhantes, permitindo, à custa de um apaziguamento da atividade delirante, uma melhor inserção sociofamiliar. Pelo que vemos no documentário, o tratamento psiquiátrico parece ter pouca importância na vida de Estamira; ela tem pouco vínculo com o centro de atenção psicossocial ao qual está ligada; e ela não parece estar bem, sempre tão exaltada, sofrendo… Um técnico de Saúde Mental, para tratá-la de fato, teria que ocupar um lugar próximo ao que Marcos Prado encontrou, “secretariando-a” na construção de seu delírio… E a proposta de Estamira, sua “ética”, é muito radical: para as coisas “terem jeito”, a solução dela, no final do filme, seria a destruição de tudo e uma reconstrução do zero (“se tiver que me queimar para as pessoas terem lucidez, tudo bem”)…Não acho que a saída pela loucura seja solução para nada. O que fica para mim, após este filme, é uma pergunta: seremos capazes, em termos de política pública de assistência e como sistema de relações na cidade, de acolher as diferenças, e nos reconhecermos nesse outro insondável e refugado que habita a borda do mundo?

Musso Greco é psiquiatra, psicanalista, especialista em Saúde Mental pela Escola de Saúde Pública de Minas Gerais (FUNED), mestre em Psicologia Social pela UFMG, doutor em Ciências da Saúde pela UFMG e sócio-fundador da ONG Associação Imagem Comunitária (AIC); é coautor, entre outras publicações, de “Corpo, sintoma e psicose: leituras do contemporâneo” (Contra Capa Livraria, 2006).

Entrevista realizada por Élida Murta em 20 de setembro de 2011


Agosto, 2011

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Vamos colocar o livro no cotidiano das pessoas

Bibliopote é uma ideia, é uma proposta, é uma referência e é uma iniciativa democrática e positiva em favor do livro e da leitura. Instalada na Panificadora Pote de Mel, que fica no Centro de Curitiba (PR), a Bibliopote é uma iniciativa original do jornalista Alessandro Martins e do seu blog Livros e Afins.

Bibliopote (Curitiba - PR)
Bibliopote (Curitiba – PR)

Frequentador assíduo dessa padaria, Alessandro começou a levar seus livros para uma leitura que acompanhasse o seu café. Percebeu que a Pote de Mel recebia um público variado e flutuante e que, muitas vezes permanecia ali, como ele, por algum tempo. A vizinhança da padaria inclui o Hospital de Clínicas e a reitoria da Universidade Federal do Paraná e, também por isso, o público é bastante diversificado. Lembrou-se de uma experiência interessante e bem sucedida de uma biblioteca instalada em um açougue em Brasília (DF). Daí, ele pensou: por que não em uma padaria? Conversou com o dono da Pote de Mel, Carlos Lazzaris, que gostou da ideia e abriu espaço para a nova biblioteca. Desde 2008, a Bibliopote – Biblioteca Livre Pote de Mel já fez circular mais de 4.000 livros e possui um acervo atual – flutuante – entre 300 e 500 livros. São números significativos, não? Mas significativa mesmo é a proposta que deu certo e que envolve um número cada vez maior de adeptos e de admiradores, e que vem servindo de inspiração para a criação de novas bibliotecas livres pelo País.

Vamos saber agora o que Alessandro Martins, protagonista dessa história boa, tem para nos contar sobre a Bibliopote.

Alessandro, via skype, na hora da entrevista.
Alessandro, via skype, na hora da entrevista.

Como funciona a Bibliopote?

Alessandro Martins: A Bibliopote funciona com regras muito claras e simples. Criamos uma política que conta com o compromisso ético das pessoas no exercício da liberdade que é oferecida de pegar um livro emprestado e devolvê-lo quando quiser. É claro que alguns livros não voltam, mas, depois que as pessoas entendem a proposta, elas tomam para si a responsabilidade com o livro e o processo funciona como deve ser.

Quais são essas regras?

Alessandro Martins: As regras – que estão no carimbo impresso em todos os livros do nosso acervo – são as seguintes:

1. Leve este livro para onde quiser durante o tempo necessário;
2. Cuide dele. Depois de ler, devolva;
3. Este livro não deve pertencer a ninguém;
4. Se ele estiver em prateleira particular, leve-o, leia-o, passe-o adiante ou devolva à Biblioteca Pote de Mel;
5. Se quiser, doe um livro para a Biblioteca Pote de Mel.

Vocês têm algum tipo de registro e controle dos livros da biblioteca?

Alessandro Martins: Não. O único controle efetivo que temos é o carimbo que vai no livro. O carimbo contém justamente as regras da Bibliopote. Assim podemos informar às pessoas sobre os princípios que regem a nossa biblioteca. Existe , também, um livro de registro para atender àqueles que ainda estranham a liberdade que a gente oferece. Mas como é opcional, ele se tornou mais um objeto de design do que uma forma de controle. Porque, na verdade, se o livro voltar, ótimo! Mas se não voltar, tudo bem também. O importante é colocar o livro no cotidiano das pessoas e promover a sua circulação.

Você acha que essa proposta funcionaria em qualquer lugar do Brasil?

Alessandro Martins: Acredito que sim. Mas tem que ser em um lugar com uma grande circulação de pessoas que sejam de diferentes tipos de classes sociais – como é uma padaria, por exemplo. Tem que permitir o acesso a todo tipo de pessoa.

Já existem, pelo Brasil, outras iniciativas também originais que pretendem estimular a leitura e fazer o livro circular, como é o caso da Bicicloteca e da Bibliotáxi. Você já teve notícia de iniciativas que se inspiraram na Bibliopote?

Alessandro Martins: Sim, sempre recebemos notícias de novas iniciativas e fazemos questão de divulgá-las no blog da Bibliopote e meu blog, Livros e Afins. Recentemente, em Indaiatuba(SP), foi inaugurado o projeto “Leitura na Padaria” que, segundo nos informaram, foi inspirada na nossa experiência. Isso é muito bom, pois um dos nossos desejos é que a Bibliopote seja mesmo uma inspiração para iniciativas semelhantes.

Bicicloteca no RJ.
Bicicloteca no RJ.

O que você pensa quando ouve alguém repetir que “brasileiro lê pouco, que não gosta de ler”?

Alessandro Martins: Eu não concordo. O brasileiro gosta muito de ler. Veja a internet, por exemplo. Cada vez mais, as pessoas se comunicam por escrito, exercitam a escrita e a leitura. E o Brasil é um dos países que mais acessam a internet atualmente. Sou a favor de que o livro e a leitura estejam no cotidiano das pessoas por todos os meios possíveis. É um movimento cíclico: a leitura na internet estimula a busca pelo livro físico também. O kindle (um modelo de e-book) oferece uma leitura muito confortável também. O principal do livro é o seu conteúdo. O livro impresso é um dos veículos das ideias do autor.

O volume do atual acervo e pela referência de mais de 4.000 livros circulando, a partir da Bibliopote, significa que o volume de doações é grande. Como é que isso funciona?

Alessandro Martins: As pessoas gostam da idéia de participar. As doações nos chegam de todos os lados e por motivos variados, inclusive pelos Correios. No blog da Bibliopote deixamos claro que contamos com doações para manter a nossa biblioteca e sugerimos que se preocupem com a boa condição dos livros doados e sugerimos o que podem fazer com livros didáticos e de conteúdo técnico. Além das doações, as boas trocas também acontecem.

O acervo inicial da Bibliopote foi feito com livros que eram seus e que, além da quantidade, são livros de ótima qualidade. Como foi, para você, fazer essa doação?

Alessandro Martins: Foi muito tranquilo. Aliás, eu fiz questão de doar bons livros e que estavam em ótimo estado de conservação com a clara intenção de dar o exemplo. Ao entregar os meus livros eu estava conferindo a eles um valor a mais: eles passaram a pertencer a todo mundo. Eu acho que quando alguém guarda o livro na própria estante está roubando a energia de um livro que deveria circular. Não entendo como uma pessoa pode gostar de um livro e, geralmente, não ser capaz de dar esse livro para que outra pessoa o aproveite. Eu criei uma “regra de ouro dos empréstimos”, que funciona pra livros, CD’s e até para dinheiro: “Você só deve emprestar aquilo que você puder dar”. Do contrário, vai ser muito difícil “cultivar amigos e influenciar pessoas…”

Parte do acervo da Bibliopote.
Parte do acervo da Bibliopote.

Qual tem sido o retorno que a Bibliopote tem dado para você e para a Panificadora Pote de Mel?

Alessandro Martins: A Bibliopote tem sido uma oportunidade de aprimoramento das relações entre as pessoas. O tratamento cordial que a equipe da Pote de Mel oferece a todos, além do espaço da biblioteca, é o que me faz sentir como um “bom freguês” e não como um “cliente”. Frequento a padaria diariamente e sempre sou bem recebido. Eles estão sempre preocupados em melhorar o ambiente e o relacionamento com os seus fregueses. De minha parte, a Blibliopote foi uma contrapartida física do trabalho que já realizo em meu blog Livros e Afins. O principal produto da relação estabelecida entre pela criação de uma biblioteca livre naquele espaço é justamente a oportunidade, para todos nós, do exercício da ação ética. Além do mais, já perdemos a conta de quantas entrevistas demos sobre a Bibliopote. É ótimo poder divulgar uma experiência que está dando certo.

Entrevista realizada (via skype) em 22.8.2011 por Élida Murta.


Junho, 2011

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A sustentabilidade é tridimensional

O blog Vinavina integra uma grande rede mundial – diversa, livre, pacífica e consciente – que se dedica a refletir e a divulgar as pequenas e grandes iniciativas socioambientais. Durante o mês de junho – em que celebramos o dia 5 como o Dia Mundial do Meio Ambiente – inúmeros eventos em todo o planeta estão voltados justamente para refletir, divulgar, denunciar, promover, avançar e celebrar a relação do homem com a natureza e com o ambiente em que vive. Assim, para encerrar o mês de junho, entrevistamos a Profa. Doutora Maria Teresa Paulino Aguilar, Professora Associada da UFMG e coordenadora do Grupo NOC (Novos Olhares sobre a Construção e o Cidadão). O tema escolhido por ela reúne todas as difíceis questões que, hoje, envolvem o indivíduo, a sociedade e a natureza. Vamos falar e refletir sobre sustentabilidade.

Profa. Teresa na sua sala no campus da UFMG: produzida com reutilização e inclusão social.
Profa. Teresa na sua sala no campus da UFMG: produzida com reutilização e inclusão social.

Como seria esse processo para um novo olhar sobre o meio ambiente?

Profa. Teresa Aguilar: Precisamos mudar o nosso olhar de maneira geral. Só uma mente aberta é capaz de aceitar a mudança de um conceito. E são muitos os olhares. Tem o olhar mais consumista, tem o olhar mais social, o olhar ecológico, o olhar do ponto de vista da saúde, do ponto vista do conforto material… Não sei qual o seria o mais importante. Mas, de todos esses, o olhar mais pobre é, sem dúvida, o econômico. O caminho para qualquer mudança é a educação. Assim, de minha parte, posso orientar o aluno para olhares que privilegiem e considerem o meio ambiente. Nossa orientação inclui oferecer esses novos olhares para os resíduos, para as inúmeras possibilidades de seu aproveitamento como subproduto, para a importância de pensar a construção de um ambiente cada vez mais favorável para todos, agora e no futuro. Acredito que, nesse sentido, o nosso trabalho na Escola de Engenharia já tem surtido efeitos positivos.

Obra de arte de Vik Muniz, feita com resíduos. Da série "Lixo".
Obra de arte de Vik Muniz, feita com resíduos. Da série “Lixo”.

Recentemente, a sua sala de trabalho, na Escola de Engenharia da UFMG, foi reformada e transformada em uma sala totalmente diferente dos padrões da escola: tudo nela foi construído com material reciclado. Como é ser diferente em um universo tão técnico, tão formal? Qual é o olhar que os alunos e demais profissionais têm para a sua nova sala e para a sua proposta?

Profa. Teresa Aguilar: Primeiramente, os alunos ficam curiosos por uma sala diferente: colorida, enfeitada e querem saber o porquê daquilo. Quando descobrem que toda a sala foi montada com resíduos, ficam encantados e querem saber mais. Alguns trazem até mimos para a sala, feitos por eles ou por familiares. A sala atende ao nosso objetivo: sensibilizar os alunos para a presença e a possibilidade de reaproveitamento dos resíduos. A sala também encanta ou desperta a curiosidade de outros professores.

Detalhes da sala. Parceria Vina e Escola de Engenharia UFMG.
Detalhes da sala. Parceria Vina e Escola de Engenharia UFMG.

Professora Teresa, o tema da sustentabilidade vem sendo debatido e cada vez mais considerado nos projetos e nas ações voltadas para garantir um futuro equilibrado na convivência da humanidade com o ambiente em que vivemos. Como você vê essa questão?

Profa. Teresa Aguilar: A sustentabilidade é uma questão de vida. É uma utopia. É quando se consegue o equilíbrio entre o social, o econômico e o ambiental. É o caminho do meio. É um processo que exige decisões individuais equilibradas. É uma nova maneira de olhar o mundo procurando acertar. Por exemplo, quando usamos o copinho de papel descartável: não precisa usar um novo copo a toda hora; você pode usar um mesmo copo o dia inteiro e, no final do dia, você o descarta. Se é um copo de louça, você tem que lavar, vai gastar água. Mas é possível lavar o copo sem gastar muita água. Se levarmos tudo com muito rigor, vamos ficar doidos. Por isso, a sustentabilidade pede bom senso.

E você acredita que as pessoas estão preparadas para entender e praticar o conceito de sustentabilidade?

Profa. Teresa Aguilar: O ser humano não gosta de mudanças, não gosta de sair da sua zona de conforto; só sai quando isso representa um ganho ou uma perda muito grande. É preciso convencer as pessoas de que suas atitudes individuais afetam as outras pessoas e interferem diretamente no mundo. Tudo está relacionado. E existem muitas maneiras de nos relacionarmos com o meio ambiente. Porém não estamos ainda devidamente preparados. Na área da construção civil, por exemplo, isso é evidente. Tivemos muitos avanços, mas as pessoas não estão preparadas para usar devidamente as tecnologias oferecidas. Já existem pessoas investindo em construções “inteligentes”, que utilizam a tecnologia para economizar energia, para captar a água da chuva… Mas do que adianta recolher a água da chuva para molhar plantas ou lavar carros em um lugar em que não chove? Por isso, eu digo que só existem duas maneiras de implantar ações transformadoras: a primeira, em curto prazo, é pela regulamentação das práticas, as leis – ambientais, sociais e econômicas – que orientam as pessoas e determinam posturas. E a outra forma, em longo prazo, é a educação. O olhar ainda é muito estreito, é preciso ampliar o campo de visão e isso só é possível com a educação. Tenho muito claro, para mim, que criar e educar uma pessoa equilibrada é uma forma de praticar a sustentabilidade. E isso é muito difícil de realizar. Agora, eu digo uma coisa: as mudanças só virão de fato quando virarem lei. A lei é capaz de promover, socialmente, uma mudança de fato. A soma da educação com a conscientização e com a regulamentação pode acelerar esse processo evolutivo de respeito ao ser humano e à natureza.

Em que momento desse processo evolutivo nós estamos agora?

Profa. Teresa Aguilar: Acredito que estamos entrando em uma nova era. Agora a preocupação tem que ser com o outro, com o mundo, com o ambiente inteiro. O homem precisa tomar consciência de que faz parte do meio natural e que vai ter que tomar decisões que vão afetar a vida das outras pessoas. O homem atual precisa voltar a se integrar com a natureza e, sem jogar fora os valores construídos, buscar um equilíbrio que inclua os outros homens e o meio em que vive. A natureza não está fora da gente. Nós fazemos parte dela. É o momento de estabelecer uma relação mais amigável com a natureza. Cada um precisa enxergar o seu papel nesse processo.

Qual é a sua sugestão? Existe uma boa receita para atuarmos nessa transformação em curso?

Profa. Teresa Aguilar: De fato, essa é uma equação dificílima. As alterações são socioculturais e exigem mudanças profundas. Não existe receita para a sustentabilidade: temos que praticar. A sustentabilidade é tridimensional. Cada decisão que tomarmos deverá ser ponderada no sentido de contemplar as três áreas: a social, a econômica e a ambiental. E seremos exigidos a tomar decisões individuais, equilibradas e permanentes, em favor dessa sustentabilidade. Se conseguirmos convencer as pessoas que têm filhos e netos de que elas têm que se preocupar agora com o ambiente a ser preservado para o futuro, poderemos mostrar que esta é uma preocupação de amor pelo próximo. Pois a herança que vamos deixar é a de um ambiente que deve favorecer a vida. O meio ambiente afeta a nossa maneira de agir. Ele é tudo, inclusive você. Assim, é preciso cuidar de você, cuidar das suas relações pessoais e, depois, cuidar do ambiente à sua volta.

Maria Teresa Paulino Aguilar

Graduada em Engenharia com doutorado em Engenharia Metalúrgica e de Minas pela Universidade Federal de Minas Gerais. É Professora Associada da Universidade Federal de Minas Gerais. Tem trabalhos de pesquisa e extensão em Estrutura e Comportamento Mecânico dos Materiais Cimentícios e Metálicos, e Sustentabilidade das Edificações. Coordena o Grupo NOC (Novos Olhares sobre a Construção e o Cidadão).

Entrevista realizada em 9.6.2011 por Élida Murta.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_separator][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]


Maio, 2011

Ela é lixóloga e sabe muito bem do que está falando

Uma das primeiras sociólogas no Brasil a abordar, ainda na década de 1980, a questão do lixo a partir de uma dimensão social, Sônia Maria Dias participou ativamente das primeiras experiências de coletas de lixo em favelas de Belo Horizonte. No PRODECOM, participou de um programa pioneiro no qual buscaram viabilizar uma tecnologia específica de coleta para a realidade das favelas; e, em Ibirité(MG), integrou a equipe de pesquisa do CETEC (Centro Tecnológico de Minas Gerais) sobre limpeza urbana. Foi ali, em 1986, que pela primeira vez ela teve contato com a figura do “catador de lixo”. A “paixão pelo lixo” transformou a sua trajetória pessoal e profissional. Hoje, cidadã do mundo, Sonia Dias se define como: lixóloga, permanentemente engajada na causa mundial dos catadores de lixo.

Sônia Dias com catadores do Lixão de Hulene, em Maputo, Moçambique. (Abril, 2011)
Sônia Dias com catadores do Lixão de Hulene, em Maputo, Moçambique.
(Abril, 2011)

Atualmente, Sônia Dias integra, como especialista em redes de catadores, a WIEGO. Rede mundial, criada em 1997, cuja secretaria está sediada na Universidade de Harvard(EUA), a WIEGO atua em mais de 100 países e participa ativamente de um movimento global que apóia os trabalhadores pobres, especialmente as mulheres, na economia informal.
Vamos agora saber um pouco mais sobre o trabalho e sobre o que pensa Sônia Maria Dias a respeito do lixo como uma questão ambiental e social, grave e urgente, a ser debatida e enfrentada em todo o mundo.

lixo

O que significa ser uma lixóloga?

Sônia Dias: no meu caso, é ser uma profissional que pesquisa e trabalha com a questão do lixo em todas as suas dimensões, com uma perspectiva social de inclusão e desenvolvimento. Como integrante da WIEGO, sou especialista na questão dos catadores de lixo, que integram um dos principais grupos que recebem da nossa rede atenção e apoio (pesquisas, estudos estatísticos, subsídios técnicos e financeiros) para viabilizar a sua sobrevivência com dignidade e com o devido reconhecimento da sociedade.

O que o lixo representa hoje para o planeta?

Sônia Dias: as questões ambientais estão interrelacionadas e o lixo é, hoje, um dos grandes dilemas da humanidade. A humanidade tem uma relação ambígua com o lixo e a sujeira. Palavras como sujeira, restos, resíduos estão ligadas diretamente ao lixo e têm, do ponto de vista social e cultural, uma conotação ligada ao que é feio, inferior, ao que não vale nada, ao que pode e deve ser descartado. Invariavelmente, como na Índia (que tem uma sociedade separada por castas), a questão do lixo está também diretamente ligada às diferentes condições sociais e, em todo mundo, ligada ao ambiente da pobreza. O lixo faz parte do nosso cotidiano e a forma de lidar com ele faz parte também da nossa cultura. Ao mesmo tempo em que causa repulsa e distanciamento, o lixo que produzimos diariamente exige um destino e uma solução. Não basta colocar o lixo na lixeira. Antes disso, é preciso conhecer o que, a partir daí, acontece com ele e, consequentemente, pensar no que pode e deve ser feito com o lixo produzido por nós.

reciclagem

Como, na sua visão, podemos lidar com a questão do lixo no mundo atual?

Sônia Dias: essa é uma questão civilizatória. Requer consciência e atitude do mundo inteiro. Por exemplo: 500 bilhões de sacolas plásticas são descartadas, por ano, em todo o mundo. E é importante dizer que, desse número, 100 bilhões vêm somente dos EUA. Acontece que 70% da poluição marinha é formada por plástico. Existem correntes marinhas que levam esse plástico para os pontos mais remotos do planeta e espalham todo esse plástico que, a cada ano, se multiplica. Bem, não podemos nos esquecer de que somos um só planeta e tudo está interligado. Temos a dimensão ambiental (o grande volume de lixo produzido) e a dimensão humana. Estudos apontam que uma grande parcela da população mundial (1a 2%) sobrevive justamente a partir do lixo (nos lixões, na coleta seletiva, etc.), em condições sub-humanas. E, nesse ponto, Belo Horizonte está bem melhor do que muitos outros lugares que conheço: aqui não tem lixão e já estamos avançando na campanha contra o uso das sacolas plásticas.

Uma das formas de lidar com essa questão, considerando as duas dimensões é trabalhar efetivamente com o desenvolvimento e o aprimoramento das formas de descarte – repensar e diminuir a produção de lixo, investir de fato na coleta seletiva e na reciclagem – e, do ponto de vista humano, cabe aos gestores públicos promover um esforço coletivo para buscar, junto com a sociedade, condições adequadas que estabeleçam uma relação mais humana e mais justa para a população que vive do lixo.

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E qual é o papel social e ambiental dos catadores de lixo nesse contexto?

Sônia Dias: acredito que podemos partir de uma mudança de o conceito: mudar “catadores de lixo” para “catadores de recicláveis”. Isso é um processo complexo que requer dos próprios catadores uma mudança de atitude para sair da condição de “vítimas sociais” para a posição consciente de “agentes ambientais e empresários sociais”, que é o que eles realmente são. Implica, também, no aprimoramento de tecnologias e das relações de protagonismo social. Exige, na verdade, uma mudança profunda de comportamento de toda a sociedade na direção de uma nova cultura em relação ao lixo.

Rua da Mooca, área central de São Paulo. Foto: Paulo Giandalia
Rua da Mooca, área central de São Paulo. Foto: Paulo Giandalia

Quais são os atores e quais seriam as iniciativas necessárias para essa nova cultura do lixo?

Sônia Dias: Bem, vamos começar pelos cidadãos. Nós todos somos corresponsáveis pela adequada condução do lixo. É preciso, de fato, repensar, reduzir, reutilizar e reciclar o lixo que produzimos diariamente. O Brasil tem definida e aprovada, em 2010, uma Política Nacional de Resíduos Sólidos que usa justamente a expressão “gestão compartilhada dos resíduos”. Ou seja, é um problema a ser enfrentado e solucionado por todos os cidadãos. Ao poder público, cabe, então, implementar campanhas, programas eficazes de coletas seletivas, oferecendo opções razoáveis nesse processo, e, principalmente, investir de forma massiva em educação ambiental. Na coleta seletiva, por exemplo, um grande passo seria incluir, de fato, a participação do catador como agente ambiental fundamental para a efetivação desse processo.

Quanto à indústria, já passou da hora das pequenas e grandes indústrias promoverem e praticarem, pra valer, a responsabilidade social e ambiental. No caso da indústria de reciclagem, é necessário rever e promover a distribuição justa de renda para todos os agentes envolvidos. O atual quadro é desigual e evidentemente injusto.

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Queremos agradecer a sua gentileza em nos conceder esta entrevista, inaugurando uma nova seção neste nosso vinavina. A palavra é sua, Sônia!

Sônia Dias: gostaria de finalizar, dizendo que o lixo é um dos símbolos da crise civilizatória que a humanidade vive hoje. O grande problema das mudanças climáticas passa, necessariamente, pela questão do lixo. Os aterros sanitários produzem gás metano, que é uma dos maiores vilões do aquecimento global. Tudo está interligado. Assim, quando os catadores recolhem o lixo reciclável e o entregam à indústria, eles estão atuando como grandes agentes ambientais que têm um papel fundamental na diminuição do lixo produzido no mundo e, consequentemente, no retardamento do aquecimento global. É assim, com o devido reconhecimento da sociedade, que eles podem e devem ressignificar o seu importante papel no mundo todo.
E quero citar um bom exemplo: a Cataunidos – que é uma rede regional de cooperativas que reúne a ASMARE, de Belo Horizonte(MG), e outras cooperativas de 22 municípios mineiros. Eles fazem a comercialização conjunta do material coletado e possuem uma usina de reciclagem de plástico que produz pellets (grãos ou bolinhas de plástico que são reciclados e vendidos para fábricas de artefatos plásticos).

Sônia Maria Dias é mineira, de Belo Horizonte(MG). Doutora em Ciência Política, Mestre em Geografia e graduada em Ciências Sociais, possui especialização em Resíduos Sólidos pela Kitakyushu International Techno-Cooperative Association (Japão) e em Gestão Ambiental, pelo Instituto de Educação Continuada da PUC-MG. É pesquisadora da rede Women in Informal Employment Globalizing and Organizing (WIEGO), e representante latinoamericana do Collaborative Working Group on Solid Waste Management (CWG). Atualmente está envolvida no Projeto Global Cidades Inclusivas, coordenado pela WIEGO e com financiamento da Fundação Bill & Melinda Gates.

Entrevista realizada em 17.5.2011 por Elida Murta.