30 de maio de 2019
O Feito a Mãos será a nossa pequena contribuição, feita por várias mãos dentro e fora da VINA, na construção de um caminho de cooperação e divulgação de boas notícias e de ações positivas que envolvam grupos e comunidades. Aqui terão destaque atitudes transformadoras que mobilizem pessoas e também pequenos gestos que melhorem a nossa rua, o nosso bairro, a nossa cidade, o nosso país, o nosso planeta.
O VinaVina busca reafirmar que somos parte de um mundo pleno de diversidade, que queremos ver pessoas sendo tratadas com o respeito e com o cuidado que merecem. Somos parte do mesmo planeta e podemos fazer, juntos, coisas incríveis.
Mãos à obra!
Pode parecer incrível, mas já se passaram quatro meses desde o rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG). Mais uma vez, uma tragédia que poderia ter sido evitada e não foi. Assim como as comunidades de Bento Rodrigues e Paracatu, que em 2015 foram completamente destruídas pela lama, deixando um rastro de devastação que atingiu o Rio Doce e seus afluentes e afetando milhares de pessoas que ficaram sem casa, sem água e sem trabalho, a comunidade de Brumadinho e de seus arredores foi atingida por uma tragédia ainda maior de devastação, não só pelo volume de rejeitos como pelo número de vítimas. A história da atividade mineradora em Minas Gerais, que está na sua origem, é uma triste história de desrespeito pela vida e pelo meio ambiente.
O mar de lama resultante dessa negligência é uma conta que não fecha e que deixa um saldo de tristeza, dor, indignação e morte: foram 19 pessoas identificadas em Mariana somada à morte do Rio Doce e todas as suas consequências; foram 310 pessoas em Brumadinho somada à morte gradual do Rio Paraopeba e seus afluentes. E isso não é tudo! O tsunami de lama e rejeitos que o rompimento dessas barragens provocou foi arrastando gente, casas, bichos, vegetação, pontes, estradas, comprometendo ao longo do caminho e dos dias que se seguem a existência e a sobrevivência de milhares de vidas, comprometendo de forma irreversível o meio ambiente à sua volta.
Mariana e Brumadinho estão marcadas para sempre por suas perdas humanas, pela destruição ambiental, e cujos impactos no meio ambiente e na vida de inúmeras famílias não podem ainda ser medidos. Talvez nunca possam de fato ser avaliados.
Desde o primeiro dia da tragédia ocorrida em Brumadinho, não só os heroicos bombeiros de Minas se fizeram presentes e atuantes naquele cenário devastador. Centenas de pessoas se deslocaram para o local com o firme propósito de salvar vidas, de socorrer as vítimas e suas famílias, de colaborar no que fosse preciso para amenizar os impactos daquela dor coletiva. Além da ajuda humanitária que mobilizou pessoas em todo o Brasil e também no exterior, havia a preocupação em promover um espírito de cooperação que pudesse ser efetivo e eficaz em várias instâncias. Importava agir para ajudar a colocar (minimamente) no lugar o que havia sido abalado, quebrado, destruído em Brumadinho.
Naquele cenário de tragédia, a Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis de Brumadinho – ASCAVAP descobriu que também não estava sozinha.
A Cataunidos é um órgão de classe cooperativa de 3º grau que reúne uma rede de 33 empreendimentos, entre Associações e Cooperativas de catadores, em Minas Gerais. Existe um sentido muito forte e consciente entre os catadores sobre a solidariedade de classe. A luta que enfrentam diariamente e a consciência do papel social e ambiental que representam em suas comunidades vêm fortalecendo a consolidação de conquistas de direitos e a formação de uma rede local, nacional e internacional que reconhece e promove o papel do catador em nossa sociedade. Diante da tragédia de Brumadinho, a reação das companheiras e dos companheiros catadores que integram a Cataunidos foi imediata. Os companheiros e companheiras da ASCAVAP precisavam de ajuda e de consolo. Em reunião, avaliaram coletivamente a situação e decidiram agir. Foram quatro dias de muito trabalho e muita dedicação para as 16 pessoas que foram apoiar as companheiras e os companheiros de Brumadinho.
Havia uma tragédia acontecendo ali, um mar de lama separando a região e impedindo o acesso às estradas e, no caso da ASCAVAP, impedindo o seu deslocamento para a coleta seletiva e a destinação do material reciclável separado por eles. Estava tudo parado e as pessoas em choque. O rompimento da barragem desencadeou uma série de impedimentos e de problemas para toda a comunidade. A prefeitura de Brumadinho, por exemplo, que também estava sem acesso às estradas e ao aterro sanitário, havia começado a despejar entulho da construção civil no pátio da Associação. Ali já não havia mais lugar nem para acomodar o material coletado quanto mais receber resíduos de construção civil, que não fazem parte do tipo de material reciclável que a ASCAVAP normalmente coleta. Havia uma montanha de material a ser separado, organizado e dividido em cargas para ser escoado e vendido…
O volume de resíduos se acumulava e o movimento em Brumadinho era de tensão e perplexidade. Alguns dias depois da tragédia, com a chegada dos companheiros e companheiras catadores voluntários, o trabalho começou e o cenário foi se modificando. Havia agora um propósito e o movimento de quem chegou para ajudar foi como uma onda de solidariedade e de afeto. Entre a triagem e o escoamento dos materiais, outros mutirões foram acontecendo. Havia a articulação para que a Prefeitura retirasse o entulho do pátio, havia a articulação de cidadãos e cidadãs para conseguir cestas básicas para alimentar o mutirão e as famílias das catadoras e dos catadores, havia o mutirão da cozinha preparando tudo com muito afeto, havia momentos de descontração, com brincadeiras e sorrisos provocados por pelo Senhor Flores (Zildo Flores)… Enfim, foram quatro dias de muito trabalho e mobilização em que o espírito de cooperação feito a muitas mãos gerou um movimento positivo que buscou amenizar o peso da dor após a tragédia.
A iniciativa partiu da rede que integra o Movimento Nacional dos Catadores(as) de Materiais Recicláveis – MNCR que, articulada com o Observatório da Reciclagem Inclusiva, avaliou coletivamente a situação e mobilizou as associações e cooperativas de catadores da Região Metropolitana de Belo Horizonte – RMBH para realizar o mutirão de emergência em Brumadinho.
Voluntários de todos os lugares chegavam diariamente a Brumadinho. Entre os que foram especialmente para o mutirão da ASCAVAP estavam representantes da COOPERSOL, da COOPERSOL-Leste, da ASCITO (Itabirito), da Asmare, da Cataunidos e WIEGO. Tivemos a chance de conversar com: Gilberto Chagas, presidente da Cataunidos e uma das lideranças do MNCR; com Fernando Godoy, que integra a ASMARE e foi uma dos voluntários do mutirão; e com Sonia Dias e Ana Carolina Ogando, representantes da WIEGO, uma rede internacional de trabalhadores informais e parceira do MNCR.
Gilberto Chagas (Cataunidos) esteve presente no mutirão para registrar em imagens aquele encontro de companheiras e companheiros catadores unidos com o firme propósito de oferecer sua solidariedade e sua força especial de trabalho à ASCAVAP, tão importantes naquele momento. Várias fotos que ilustram esta postagem são de sua autoria. Na opinião dele, além de todos os problemas e perdas irreversíveis para as pessoas e o ambiente, o que fica é um desastre provocado por uma empresa privada, que não ofereceu alternativas, após o rompimento da barragem, para que o município descartasse o lixo acumulado. “A gestão pública e a sociedade ficam reféns do resultado dessa irresponsabilidade, desse modelo desenvolvimentista que obedece apenas ao mercado e descarta as pessoas”.
Fernando Godoy é catador e associado há 20 anos da ASMARE, que há 13 anos é associada ao Cataunidos. Para ele, participar do mutirão em Brumadinho foi o mínimo que eles poderiam fazer pelas companheiras e pelos companheiros catadores, que seguem os mesmos princípios da solidariedade de classe e o apoio mútuo como agentes ambientais que são. São os catadores que coletam e tratam diariamente o lixo urbano e não recebem o devido reconhecimento da sociedade. “Sempre fomos discriminados, mas agora o movimento cooperativo tem crescido e se fortalecido na luta e na conquista por nossos direitos como trabalhadores organizados e como agentes sociais e ambientais importantes no processo de tratar os resíduos sólidos e melhorar a vida de todos. Há muito tempo deixamos de ser aquele “velho do saco” que apenas catava lixo para sobreviver”.
Sonia Dias e Ana Carolina Ogando integram a rede internacional WIEGO, que reúne trabalhadores informais, entre eles catadoras e catadores do mundo inteiro. Para as duas, que atuaram em Brumadinho colaborando na organização do mutirão e no levantamento de apoios e doações, foi uma experiência ao mesmo tempo forte e emocionante. Ouvir, abraçar, articular a rede de apoios às diversas demandas daquela situação foi uma oportunidade de comprovar a força e o espírito de cooperação dos catadores. Depois de quatro meses da tragédia, Sônia Dias diz que o trabalho de muitos voluntários continua em Brumadinho, em vários níveis e em vários setores da cidade. A cooperação é sempre uma força poderosa que nos leva a reconhecer o próximo como seu igual e seu aliado na luta por uma vida mais justa e melhor.
Ouvimos também o relato de Maria Madalena Rodrigues Duarte Lima, catadora há mais de 20 anos, trabalha na Cooperativa de Reciclagem e Trabalho Ltda. – COOPERT, em Itaúna (MG) e é ativista incansável pela valorização da categoria e pelo reconhecimento do valor do catador na sociedade. Ela não esteve no mutirão em Brumadinho, mas participou da sua articulação e da mobilização de voluntárias e voluntários. Entre outras atribuições, ela integra a Secretaria Nacional das Mulheres no Unicatador e é Representante do Comitê das Mulheres na Rede Latinoamericana de Catadores. Madalena contou que ouviu emocionada o relato de quem participou do mutirão. “O que todos tiveram foi uma oportunidade de aprendizado, de parceria e de demonstração de amor pelo próximo. Diante do Brasil em que vivemos hoje, isso traz uma esperança para a nossa luta, para ficar sempre unidos e criar nossas próprias políticas e movimentos de solidariedade, enxergando e ajudando o outro com amor verdadeiro”.
Helina Ferreira é Presidente da ASCAVAP e, além de dois sobrinhos, perdeu muitos amigos queridos nessa tragédia. Seu depoimento emocionado, feito dias após o rompimento da barragem do Córrego do Feijão, traduz a dor e a tristeza de seus companheiros e companheiras de luta diária. É uma dor que não passa e, por isso mesmo, todo apoio e solidariedade que a Associação tem recebido ajudam a amenizar tantas perdas e a seguir em frente.
Veja o vídeo:
Desabafo da catadora Helina Ferreira Presidente da Ascavap Brumadinho
“Cultura da Cooperação é o conjunto de práticas e ações sociais, alicerçadas em crenças e princípios positivos, aprendidas, praticadas e partilhadas no grupo, em que cada indivíduo sente-se parte de um mesmo todo, corresponsável pelo bem comum. Nela, a consciência da possibilidade da satisfação de necessidades humanas legítimas através do processo cooperativo, estimula o exercício da empatia e da compaixão, proporcionando sentido e segurança ao grupo, estimulando a autoestima e a confiança mútuas”.
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