1 de setembro de 2011
O Na Lata publica, mensalmente, neste blog, uma entrevista ou um texto interessante – sempre inéditos – que aborda o universo das boas ideias, das melhores práticas e das pequenas e grandes soluções para as questões atuais que envolvem a relação da sociedade com o meio ambiente. Repensar, junto com vocês, será sempre a nossa proposta.
Bibliopote (Curitiba – PR) |
Bibliopote é uma ideia, é uma proposta, é uma referência e é uma iniciativa democrática e positiva em favor do livro e da leitura. Instalada na Panificadora Pote de Mel, que fica no Centro de Curitiba (PR), a Bibliopote é uma iniciativa original do jornalista Alessandro Martins e do seu blog Livros e Afins.Frequentador assíduo dessa padaria, Alessandro começou a levar seus livros para uma leitura que acompanhasse o seu café. Percebeu que a Pote de Mel recebia um público variado e flutuante e que, muitas vezes permanecia ali, como ele, por algum tempo. A vizinhança da padaria inclui o Hospital de Clínicas e a reitoria da Universidade Federal do Paraná e, também por isso, o público é bastante diversificado. Lembrou-se de uma experiência interessante e bem sucedida de uma biblioteca instalada em um açougue em Brasília (DF). Daí, ele pensou: por que não em uma padaria? Conversou com o dono da Pote de Mel, Carlos Lazzaris, que gostou da ideia e abriu espaço para a nova biblioteca. Desde 2008, a Bibliopote – Biblioteca Livre Pote de Mel já fez circular mais de 4.000 livros e possui um acervo atual – flutuante – entre 300 e 500 livros. São números significativos, não? Mas significativa mesmo é a proposta que deu certo e que envolve um número cada vez maior de adeptos e de admiradores, e que vem servindo de inspiração para a criação de novas bibliotecas livres pelo País.
Vamos saber agora o que Alessandro Martins, protagonista dessa história boa, tem para nos contar sobre a Bibliopote.
Alessandro, via skype, na hora da entrevista. |
Como funciona a Bibliopote?
Alessandro Martins: A Bibliopote funciona com regras muito claras e simples. Criamos uma política que conta com o compromisso ético das pessoas no exercício da liberdade que é oferecida de pegar um livro emprestado e devolvê-lo quando quiser. É claro que alguns livros não voltam, mas, depois que as pessoas entendem a proposta, elas tomam para si a responsabilidade com o livro e o processo funciona como deve ser.
Quais são essas regras?
Alessandro Martins: As regras – que estão no carimbo impresso em todos os livros do nosso acervo – são as seguintes:
1. Leve este livro para onde quiser durante o tempo necessário;
2. Cuide dele. Depois de ler, devolva;
3. Este livro não deve pertencer a ninguém;
4. Se ele estiver em prateleira particular, leve-o, leia-o, passe-o adiante ou devolva à Biblioteca Pote de Mel;
5. Se quiser, doe um livro para a Biblioteca Pote de Mel.
Bibliopote – livros em detalhe |
Vocês têm algum tipo de registro e controle dos livros da biblioteca?
Alessandro Martins: Não. O único controle efetivo que temos é o carimbo que vai no livro. O carimbo contém justamente as regras da Bibliopote. Assim podemos informar às pessoas sobre os princípios que regem a nossa biblioteca. Existe , também, um livro de registro para atender àqueles que ainda estranham a liberdade que a gente oferece. Mas como é opcional, ele se tornou mais um objeto de design do que uma forma de controle. Porque, na verdade, se o livro voltar, ótimo! Mas se não voltar, tudo bem também. O importante é colocar o livro no cotidiano das pessoas e promover a sua circulação.
Você acha que essa proposta funcionaria em qualquer lugar do Brasil?
Alessandro Martins: Acredito que sim. Mas tem que ser em um lugar com uma grande circulação de pessoas que sejam de diferentes tipos de classes sociais – como é uma padaria, por exemplo. Tem que permitir o acesso a todo tipo de pessoa.
Já existem, pelo Brasil, outras iniciativas também originais que pretendem estimular a leitura e fazer o livro circular, como é o caso da Bicicloteca e da Bibliotáxi. Você já teve notícia de iniciativas que se inspiraram na Bibliopote?
Alessandro Martins: Sim, sempre recebemos notícias de novas iniciativas e fazemos questão de divulgá-las no blog da Bibliopote e meu blog, Livros e Afins. Recentemente, em Indaiatuba(SP), foi inaugurado o projeto “Leitura na Padaria” que, segundo nos informaram, foi inspirada na nossa experiência. Isso é muito bom, pois um dos nossos desejos é que a Bibliopote seja mesmo uma inspiração para iniciativas semelhantes.
Bicicloteca no RJ. |
O que você pensa quando ouve alguém repetir que “brasileiro lê pouco, que não gosta de ler”?
Alessandro Martins: Eu não concordo. O brasileiro gosta muito de ler. Veja a internet, por exemplo. Cada vez mais, as pessoas se comunicam por escrito, exercitam a escrita e a leitura. E o Brasil é um dos países que mais acessam a internet atualmente. Sou a favor de que o livro e a leitura estejam no cotidiano das pessoas por todos os meios possíveis. É um movimento cíclico: a leitura na internet estimula a busca pelo livro físico também. O kindle (um modelo de e-book) oferece uma leitura muito confortável também. O principal do livro é o seu conteúdo. O livro impresso é um dos veículos das ideias do autor.
O volume do atual acervo e pela referência de mais de 4.000 livros circulando, a partir da Bibliopote, significa que o volume de doações é grande. Como é que isso funciona?
Alessandro Martins: As pessoas gostam da idéia de participar. As doações nos chegam de todos os lados e por motivos variados, inclusive pelos Correios. No blog da Bibliopote deixamos claro que contamos com doações para manter a nossa biblioteca e sugerimos que se preocupem com a boa condição dos livros doados e sugerimos o que podem fazer com livros didáticos e de conteúdo técnico. Além das doações, as boas trocas também acontecem.
O acervo inicial da Bibliopote foi feito com livros que eram seus e que, além da quantidade, são livros de ótima qualidade. Como foi, para você, fazer essa doação?
Alessandro Martins: Foi muito tranquilo. Aliás, eu fiz questão de doar bons livros e que estavam em ótimo estado de conservação com a clara intenção de dar o exemplo. Ao entregar os meus livros eu estava conferindo a eles um valor a mais: eles passaram a pertencer a todo mundo. Eu acho que quando alguém guarda o livro na própria estante está roubando a energia de um livro que deveria circular. Não entendo como uma pessoa pode gostar de um livro e, geralmente, não ser capaz de dar esse livro para que outra pessoa o aproveite. Eu criei uma “regra de ouro dos empréstimos”, que funciona pra livros, CD’s e até para dinheiro: “Você só deve emprestar aquilo que você puder dar”. Do contrário, vai ser muito difícil “cultivar amigos e influenciar pessoas…”
Parte do acervo da Bibliopote. |
Qual tem sido o retorno que a Bibliopote tem dado para você e para a Panificadora Pote de Mel?
Alessandro Martins: A Bibliopote tem sido uma oportunidade de aprimoramento das relações entre as pessoas. O tratamento cordial que a equipe da Pote de Mel oferece a todos, além do espaço da biblioteca, é o que me faz sentir como um “bom freguês” e não como um “cliente”. Frequento a padaria diariamente e sempre sou bem recebido. Eles estão sempre preocupados em melhorar o ambiente e o relacionamento com os seus fregueses. De minha parte, a Blibliopote foi uma contrapartida física do trabalho que já realizo em meu blog Livros e Afins. O principal produto da relação estabelecida entre pela criação de uma biblioteca livre naquele espaço é justamente a oportunidade, para todos nós, do exercício da ação ética. Além do mais, já perdemos a conta de quantas entrevistas demos sobre a Bibliopote. É ótimo poder divulgar uma experiência que está dando certo.
Livros e Afins: Para saber mais sobre as idéias e o trabalho do Alessandro Martins.
Bibliopote: Visite o site da Bibliopote para mais informações sobre doações e visitas.
Panificadora Pote de Mel: Para saber mais sobre padaria, acesse o site.
Não deixe de conferir as boas dicas de Alessandro Martins na sessão INdica.