2 de julho de 2011
Nova seção deste blog, o Na Lata vai trazer, mensalmente, uma entrevista ou um texto interessante – sempre inéditos – que abordem o universo das boas idéias, das melhores práticas e das pequenas e grandes soluções para as questões atuais que envolvem a relação da sociedade com o meio ambiente. Repensar, junto com vocês, será sempre a nossa proposta.
Segue abaixo a nossa segunda entrevista.
Profa. Teresa na sua sala no campus da UFMG: produzida com reutilização e inclusão social. |
O blog Vinavina integra uma grande rede mundial – diversa, livre, pacífica e consciente – que se dedica a refletir e a divulgar as pequenas e grandes iniciativas socioambientais. Durante o mês de junho – em que celebramos o dia 5 como o Dia Mundial do Meio Ambiente – inúmeros eventos em todo o planeta estão voltados justamente para refletir, divulgar, denunciar, promover, avançar e celebrar a relação do homem com a natureza e com o ambiente em que vive. Assim, para encerrar o mês de junho, entrevistamos a Profa. Doutora Maria Teresa Paulino Aguilar, Professora Associada da UFMG e coordenadora do Grupo NOC (Novos Olhares sobre a Construção e o Cidadão). O tema escolhido por ela reúne todas as difíceis questões que, hoje, envolvem o indivíduo, a sociedade e a natureza. Vamos falar e refletir sobre sustentabilidade.
Instalações feitas de resíduos que projetam imagens surpreendentes.
Criadas por Tim Noble e Sue Webster.
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O cuidado com o meio ambiente reflete a forma como as pessoas se relacionam com o lixo, com os vários tipos de resíduos produzidos e descartados diariamente. Como você percebe a relação atual do ser humano com o lixo?
Profa. Teresa Aguilar: O ser humano tem um repúdio natural em relação ao lixo e aos próprios resíduos que produz. Já está introjetado nas pessoas que o lixo deve ser descartado, deve ser jogado fora. É preciso trabalhar para uma mudança desse conceito. Os resíduos também podem apresentar encantamento, podem ser transformados em materiais úteis. O lixo pode e deve ser visto e trabalhado de forma positiva. O desafio é mudar o conceito de “resíduo” para “subproduto”, com um destino útil e favorável para melhorar o ambiente em que vivemos.
E o que pode ser feito para conseguir essa mudança de conceito?
Profa. Teresa Aguilar: Considerando que tudo está relacionado, é impossível separar o ser humano do meio ambiente. Assim, como educadora, procuro provocar nos alunos um novo olhar para os resíduos, procuro despertar nos alunos de engenharia um encantamento pelos resíduos e para as inúmeras possibilidades de trabalhar considerando que fazemos partes do meio ambiente, que devemos promover, literalmente, a construção de um ambiente melhor, mais confortável e que seja ainda melhor no futuro que estamos construindo. E isso não é fácil. Para mudar um conceito é preciso estar com a cabeça mais aberta e, na área das ciências exatas, com uma visão muito focada na técnica – essa é uma tarefa ainda mais difícil. O aluno precisa ser motivado a descobrir outras maneiras de olhar o mundo e de se relacionar com o meio ambiente.
Obra de arte de Vik Muniz, feita com resíduos. Da série “Lixo”. |
Como seria esse processo para um novo olhar sobre o meio ambiente?
Profa. Teresa Aguilar: Precisamos mudar o nosso olhar de maneira geral. Só uma mente aberta é capaz de aceitar a mudança de um conceito. E são muitos os olhares. Tem o olhar mais consumista, tem o olhar mais social, o olhar ecológico, o olhar do ponto de vista da saúde, do ponto vista do conforto material… Não sei qual o seria o mais importante. Mas, de todos esses, o olhar mais pobre é, sem dúvida, o econômico. O caminho para qualquer mudança é a educação. Assim, de minha parte, posso orientar o aluno para olhares que privilegiem e considerem o meio ambiente. Nossa orientação inclui oferecer esses novos olhares para os resíduos, para as inúmeras possibilidades de seu aproveitamento como subproduto, para a importância de pensar a construção de um ambiente cada vez mais favorável para todos, agora e no futuro. Acredito que, nesse sentido, o nosso trabalho na Escola de Engenharia já tem surtido efeitos positivos.
Recentemente, a sua sala de trabalho, na Escola de Engenharia da UFMG, foi reformada e transformada em uma sala totalmente diferente dos padrões da escola: tudo nela foi construído com material reciclado. Como é ser diferente em um universo tão técnico, tão formal? Qual é o olhar que os alunos e demais profissionais têm para a sua nova sala e para a sua proposta?
Profa. Teresa Aguilar: Primeiramente, os alunos ficam curiosos por uma sala diferente: colorida, enfeitada e querem saber o porquê daquilo. Quando descobrem que toda a sala foi montada com resíduos, ficam encantados e querem saber mais. Alguns trazem até mimos para a sala, feitos por eles ou por familiares. A sala atende ao nosso objetivo: sensibilizar os alunos para a presença e a possibilidade de reaproveitamento dos resíduos. A sala também encanta ou desperta a curiosidade de outros professores.
Detalhes da sala. Parceria Vina e Escola de Engenharia UFMG. |
Professora Teresa, o tema da sustentabilidade vem sendo debatido e cada vez mais considerado nos projetos e nas ações voltadas para garantir um futuro equilibrado na convivência da humanidade com o ambiente em que vivemos. Como você vê essa questão?
Profa. Teresa Aguilar: A sustentabilidade é uma questão de vida. É uma utopia. É quando se consegue o equilíbrio entre o social, o econômico e o ambiental. É o caminho do meio. É um processo que exige decisões individuais equilibradas. É uma nova maneira de olhar o mundo procurando acertar. Por exemplo, quando usamos o copinho de papel descartável: não precisa usar um novo copo a toda hora; você pode usar um mesmo copo o dia inteiro e, no final do dia, você o descarta. Se é um copo de louça, você tem que lavar, vai gastar água. Mas é possível lavar o copo sem gastar muita água. Se levarmos tudo com muito rigor, vamos ficar doidos. Por isso, a sustentabilidade pede bom senso.
E você acredita que as pessoas estão preparadas para entender e praticar o conceito de sustentabilidade?
Profa. Teresa Aguilar: O ser humano não gosta de mudanças, não gosta de sair da sua zona de conforto; só sai quando isso representa um ganho ou uma perda muito grande. É preciso convencer as pessoas de que suas atitudes individuais afetam as outras pessoas e interferem diretamente no mundo. Tudo está relacionado. E existem muitas maneiras de nos relacionarmos com o meio ambiente. Porém não estamos ainda devidamente preparados. Na área da construção civil, por exemplo, isso é evidente. Tivemos muitos avanços, mas as pessoas não estão preparadas para usar devidamente as tecnologias oferecidas. Já existem pessoas investindo em construções “inteligentes”, que utilizam a tecnologia para economizar energia, para captar a água da chuva… Mas do que adianta recolher a água da chuva para molhar plantas ou lavar carros em um lugar em que não chove? Por isso, eu digo que só existem duas maneiras de implantar ações transformadoras: a primeira, em curto prazo, é pela regulamentação das práticas, as leis – ambientais, sociais e econômicas – que orientam as pessoas e determinam posturas. E a outra forma, em longo prazo, é a educação. O olhar ainda é muito estreito, é preciso ampliar o campo de visão e isso só é possível com a educação. Tenho muito claro, para mim, que criar e educar uma pessoa equilibrada é uma forma de praticar a sustentabilidade. E isso é muito difícil de realizar. Agora, eu digo uma coisa: as mudanças só virão de fato quando virarem lei. A lei é capaz de promover, socialmente, uma mudança de fato. A soma da educação com a conscientização e com a regulamentação pode acelerar esse processo evolutivo de respeito ao ser humano e à natureza.
Lixão Brasília (Por Francisco Stuckert, 2007) |
Em que momento desse processo evolutivo nós estamos agora?
Qual é a sua sugestão? Existe uma boa receita para atuarmos nessa transformação em curso?
Profa. Teresa Aguilar: De fato, essa é uma equação dificílima. As alterações são socioculturais e exigem mudanças profundas. Não existe receita para a sustentabilidade: temos que praticar. A sustentabilidade é tridimensional. Cada decisão que tomarmos deverá ser ponderada no sentido de contemplar as três áreas: a social, a econômica e a ambiental. E seremos exigidos a tomar decisões individuais, equilibradas e permanentes, em favor dessa sustentabilidade. Se conseguirmos convencer as pessoas que têm filhos e netos de que elas têm que se preocupar agora com o ambiente a ser preservado para o futuro, poderemos mostrar que esta é uma preocupação de amor pelo próximo. Pois a herança que vamos deixar é a de um ambiente que deve favorecer a vida. O meio ambiente afeta a nossa maneira de agir. Ele é tudo, inclusive você. Assim, é preciso cuidar de você, cuidar das suas relações pessoais e, depois, cuidar do ambiente à sua volta.
Entrevista realizada em 9.6.2011
por Élida Murta.