Na Lata :: Dia Nacional da Alfabetização

14 de novembro de 2015

Na Lata é um espaço reservado, neste blog, para entrevistas e textos que abordem o universo das boas ideias, das melhores práticas e das pequenas e grandes questões que envolvem as relações da sociedade com o meio ambiente, com a cultura, com a política e com todos os movimentos capazes de transformar positivamente o mundo em que vivemos.

Repensar, junto com vocês, será sempre a nossa proposta.

Especial Dia Nacional da Alfabetização (14 de novembro)
Para celebrar e discutir a questão da alfabetização no Brasil atualmente, o vinavina falou com quem entende do assunto! Entrevistamos a atual vice-diretora da UMEI Águas Claras, Vânia Gomes. Ela é professora (graduada em Letras português/espanhol pelo Centro Universitário UNI-BH) e atua na educação infantil desde 1980, foi diretora da Escola Municipal Professor José Braz no período de 1993 a 1996, atuou como técnica na equipe da Gerência de Coordenação da Educação Infantil da Secretaria Municipal da Educação em Belo Horizonte no período da implantação das primeiras UMEIs no período de 2004 a 2008 e, desde 2009, assume o cargo de vice-diretora da UMEI Águas Claras, que fica no entorno da nossa nova sede e na qual já foram realizadas diversas atividades socioeducativas em parceria com a Vina.


Vânia Gomes Michel, na UMEI Águas Claras.

1. O que significa alfabetizar no mundo atual? 
Alfabetizar no mundo atual não pode se restringir ao simples ato de decifrar códigos, dominar o sistema de escrita da língua. Assim, torna-se inviável falar de alfabetização sem falar do letramento. É preciso considerar a alfabetização como uma ferramenta importante para a participação do sujeito nos espaços sociais e culturais. Portanto, é preciso associar o domínio do sistema alfabético, que é uma norma socialmente construída e que precisa ser ensinada, às práticas de uso dessa técnica para garantir as habilidades de leitura e escrita, compreensão e utilização da mesma como forma de expressão, de diálogo e, principalmente, como possibilidade de interação com o mundo, com outros sujeitos e de melhoria de sua condição social.

2. Por que no Brasil ainda temos tantos semianalfabetos e analfabetos? 
Acredito que garantir o acesso de todos à escola não significa garantir a alfabetização. É fundamental que a escola seja um lugar interessante, atrativo, para assim assegurar a permanência e a aprendizagem do aluno. Quando a escola segue um modelo de educação ultrapassado, sem inovações, que não proporciona ao sujeito um espaço de criação, onde possa argumentar e buscar respostas próprias, a tendência é gerar no aluno uma insatisfação, uma falta de motivação para continuar os estudos por não se sentirem aceitos e não acreditarem no próprio potencial.

O alto índice de repetência é outro fator que leva o estudante a desistir da escola. A exposição diante de colegas, as humilhações e o sentimento de fracasso vão minando o desejo de aprender e vão produzindo no sujeito um sentimento de inferioridade e uma convicção de que deve aceitar sua sina de permanecer à margem, fadado a oferecer a sociedade uma mão de obra barata e pesada. Essa situação acaba gerando os analfabetos funcionais, situação na qual a pessoa é capaz de identificar letras e números, mas não consegue interpretar textos e realizar operações matemáticas mais complexas, comprometendo o desenvolvimento pessoal e social do indivíduo.

Para mudar essa realidade, as políticas educacionais precisam estar voltadas para atender a diversidade, buscando identificar as potencialidades de cada sujeito, valorizando-as, de forma a colaborar com as experiências e crescimento do grupo em que está inserido.

3. Quais são os prós e contras das tecnologias atuais (computador, tablet, celular…) no processo de alfabetização? 
É preciso reconhecer que os avanços tecnológicos, bem como o acesso às tecnologias, são realidades cada vez mais presentes no dia a dia das crianças pequenas. Os computadores e outros materiais tecnológicos já fazem parte do ambiente de aprendizagem, principalmente na família. Utilizar o celular, o tablet e o computador vem se tornando algo comum às crianças das mais diversas idades e classes sociais.

O professor, assumindo um papel de mediador da aprendizagem, assim como na família os mais velhos são modelo para os mais novos, precisam adotar comportamentos e atitudes em face das tecnologias. Não se pode ignorar que vários recursos contribuem na formação das crianças. O importante é identificarmos o papel que essas tecnologias exercerão nessa formação. A centralidade deve estar nas habilidades e potencialidades do sujeito e as tecnologias devem atuar como ferramentas. E, assim sendo, devem ter um tempo determinado de utilização e não podem assumir lugar de outras atividades que são primordiais para o desenvolvimento integral da criança, como o brincar, a socialização e as atividades coletivas.

É fundamental que os programas, jogos e aplicativos a serem disponibilizados para a criança pequena não apresentem apenas soluções mecânicas, repetitivas, onde exista apenas uma resposta ou caminho correto, pois estes não promovem o pensamento flexível e criativo. Outro aspecto a ser observado é que esses produtos tecnológicos a serem oferecidos não contenham violências, preconceitos ou estereótipos. Enfim, que sejam apropriados para a utilização pelas crianças e que venham a contribuir com o processo de aquisição da linguagem escrita, bem como de outras linguagens: oral, digital, plástica, matemática, dentre outras.

4. Qual é a importância do aprendizado por meio do brincar e do brincar coletivo? 
As crianças apropriam-se da cultura e da vida cotidiana através do brincar, principalmente do brincar coletivo. Na brincadeira, assumem papéis, criam situações, buscam soluções, dividem tarefas, definem regras e combinados. Fantasiam e vivenciam, na brincadeira, histórias que poderiam perfeitamente ser fatos reais, buscando imitar e compreender o mundo dos adultos.

Ao brincar de forma espontânea, as crianças vão desenvolvendo habilidades e competências relacionadas ao convívio social, a questões básicas e regras simples que servirão de suporte para a aquisição de conhecimentos na leitura, na escrita, na matemática e em muitas outras áreas.

    
    
Fotos dos alunos da UMEI Águas Claras.

5. Qual é o diferencial do trabalho realizado na UMEI Águas Claras no processo de preparação das crianças para a alfabetização? 
Desde a promulgação da LDBEN – lei de Diretrizes e Bases, 1m 1996 – Lei nº 9394/96, a educação infantil passou a ser considerada como primeira etapa da Educação básica. Esse reconhecimento coloca as instituições de atendimento à primeira infância, crianças de 0 a 5 anos, numa condição de instituição educacional, com objetivos e finalidades próprios ao desenvolvimento da criança pequena, deixando assim de ter caráter preparatório.

Assim, partindo das concepções de que cuidar e educar são ações indissociáveis, que a criança desde a mais tenra idade é um sujeito de direitos, que necessita interagir com o ambiente, os materiais e com adultos e crianças das mais diversas idades, define-se como finalidade do atendimento a esta faixa etária, o desenvolvimento integral da criança de 0 a 5 anos nos aspectos físico, psicológico, intelectual e social, contribuindo para a conquista gradativa da autonomia e da socialização.

Na UMEI Águas Claras buscamos propiciar uma socialização saudável, criando condições para as crianças conhecerem, descobrirem, resignificarem e ampliarem seu universo social, que inicialmente se restringe a família. O trabalho pedagógico na UMEI busca contemplar o desenvolvimento das mais diversas linguagens. Assim, as atividades de linguagem oral e escrita são organizadas de forma a desenvolver as habilidades necessárias para que a criança se expresse, conforme a sua idade, cada vez com mais clareza e utilizando mais recursos linguísticos.

Desde o berçário são proporcionadas atividades como leitura e contação de histórias, contato com livros diversos, músicas, dentre outras. Para as crianças maiores, além dessas atividades, são trabalhadas poesias, brincadeiras cantadas, quadrinhas, parlendas, a escrita do nome próprio, cartazes com: combinados, rotina, calendário; relatórios de projetos, visitas, passeios, bilhetes e comunicações para as famílias, etc.

Todas essas atividades vão colaborar no processo de alfabetização da criança, que no nosso entendimento, inicia-se tão logo a criança ingressa na instituição. Vivemos em um ambiente no qual a escrita e a leitura estão presentes no dia a dia de todos: em casa, nos produtos, nos espaços sociais, nos meios de transportes e, principalmente, na escola. A sistematização da escrita e da leitura, que deve ocorrer nos primeiros anos do ensino fundamental, com idade entre 6 a 8 anos, irá acontecer de forma muito mais tranquila para aquela criança que vivenciar, de forma prazerosa, o contato com o mundo letrado.

    
    
Algumas fotos dos alunos e da UMEI Águas Claras.

6. Como educadora convicta, quais são os seus conselhos para as famílias de todas as crianças? 
Minha mãe dizia que “filho não vem com bula” e “os dedos das mãos não são iguais”, por isso acredito que não há uma receita pronta. Como mãe de dois filhos e educadora posso dizer quais atividades e atitudes considero que contribuem para uma boa educação e que facilitam o desenvolvimento da linguagem escrita pela criança. Seguem alguns:
– Leiam muito para seus filhos, contem histórias, cantem cantigas de roda;
– Brinquem com eles, passeiem em parques, praças e em espaços culturais;
– Acompanhem o dia a dia de seu filho na escola, pergunte-lhe como foi seu dia, do que mais gosta na escola, responda às suas perguntas, satisfaçam as suas curiosidades;
– Deixem-nos vivenciar a infância brincando, fantasiando, sendo criança;
– Escolham bem a programação da TV para que eles assistam. E que seja o mínimo de tempo possível.
– Defina limites, cumpra os combinados, não prometa-lhes algo que não possa cumprir.

Nós, os adultos, somos espelhos para as crianças, sejam elas nossos filhos, sobrinhos, vizinhos ou alunos. Portanto, precisamos estar vigilantes quanto às nossas atitudes e ações diante das crianças. O velho ditado do “Faça o que eu falo, não faça o que eu faço” nunca deu certo e não vai ser com a criança que ele dará.

    
    
“Sem a curiosidade que me move, 
que me inquieta, 
que me insere na busca, 
não aprendo nem ensino.”
(Paulo Freire)